Henrique Raposo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

A boa imprensa incompreensível do Japão

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É um clássico. Os japoneses demonstram asseio e arrumação monumentais. A imprensa e o público ocidentais derramam sobre o Japão uma série de elogios instantâneos que estão ali à mão logo na primeira prateleira do twitter e facebook: que povo tão bem educado!, que civismo!, temos tanto a aprender com este povo maravilhoso que mais parece uma coleção de querubins de olhos amendoados! Pois bem. Estamos a falar do mesmo povo que recusa a imigração de forma sistemática há décadas? Estamos a falar do mesmo povo que é racista como poucos? O Japão são três ou quatro Trumps, dez a doze Brexits.

Sujidade debaixo do tapete

Sujidade debaixo do tapete

Será que estamos a falar do mesmo povo que prefere envelhecer na pureza japonesa a rejuvenescer com integração de estrangeiros? Sim, o Japão está a envelhecer, mas a sociedade japonesa recusa acolher imigrantes, porque tem uma desconfiança ou arrogância secular em relação ao “outro”. O desprezo japonês por tudo aquilo que não é japonês tem um nome, nacionalismo. A repulsa visceral pelo “gaijin” (pelo “gajo” ou “gaja” do estrangeiro) tem outro nome, xenofobia.

Soubemos na semana passada que foram executados sete membros da seita Aum Shinri Kyo (ataque de gás sarin no metro Tóquio, 1995). Boa altura para recordar um livro de Murakami, “Underground”: apesar de todas as diferenças na aparência, os japoneses do nosso tempo só são diferentes dos japoneses de Tojo no grau. A natureza, essa, continua a mesma. Murakami diz-nos que a mente fechada que conduziu às loucuras dos anos 20 e 30 continua fechada. Não há asseio que limpe isto.