AVIAÇÃO
O herói das mãos incríveis que mudou a forma como voamos
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Foi no dia 15 de janeiro de 2009 que a forma como voamos mudou - tudo graças a um incidente que pôs em risco as vidas das 155 pessoas que seguiam a bordo do voo 1549 da US Airways. A amaragem no Rio Hudson conduzida por Chelsey Sullenberg, o comandante que hoje é conhecido como um herói nacional para os Estados Unidos, fez História e alterou a forma como os pilotos aprendem a voar. “As escolas começaram a partir daí a insistir na amaragem”, explica ao Expresso Aurélio Almeida, que ensina os novos pilotos portugueses. Tudo por causa do comandante com “um espírito de missão e umas mãos incríveis”
TEXTO MARIANA LIMA CUNHA
Passavam apenas 15 minutos desde a descolagem do avião quando as 154 pessoas que se encontravam a bordo ouviram aquelas palavras terríveis. “Preparem-se para o impacto”, avisou, sem mais pormenores, o comandante Sully. A sensação para quem esperava o choque de tocar nas águas do rio Hudson era de pânico, mas a que se vivia no cockpit era bastante diferente – afinal, o comandante Chelsey “Sully” Sullenberg tinha apenas 208 segundos para se concentrar em levar a cabo uma amaragem segura que salvasse as vidas de todos os que viajavam no voo 1549 da US Airways.
“A minha consciência existia apenas para controlar o percurso do avião. Era vital ficar concentrado, sem me permitir distrações”, esclarece o comandante Chelsey Sullenberg no livro de memórias que escreveu depois do incidente que o tornou um herói nacional para os Estados Unidos. Afinal, Sullenberg, o seu co-piloto e a tripulação conseguiram o que parecia impossível: salvar as vidas de todas as 155 pessoas que se encontravam naquele Airbus A320 aterrando no Rio Hudson, em Nova Iorque, depois ambos os motores do avião terem falhado (e, sem querer, fazer História, mudando a forma como se aprende a voar).
“Não há preparação para uma coisa destas”
Aurélio Almeida, diretor de cursos da escola de aviação portuguesa AWA, não tem dúvidas de que a decisão de Sully foi corajosa – e evitou o pior. “Ele decidiu de forma extraordinária e correu muitos riscos”, assume, “mas de outra forma não tinha grandes hipóteses de voltar à pista naquela cidade enormíssima, era quase impossível”. Tudo devido a dois fatores, explica Aurélio Almeida: o sangue frio, que os pilotos “treinam todos os dias”, e, como se diz na profissão, umas “mãos incríveis”.
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“É completamente diferente aterrar no mar ou em terra. Até é diferente aterrar no rio e no mar, porque no mar há vagas e ondulação, por vezes de 7 a 8 metros”. Se é verdade que Sully tinha 42 anos de experiência e preparação como piloto na Força Aérea e até investigador de acidentes aéreos, também é verdade que nada o poderia ter preparado para uma amaragem de emergência à altitude mais baixa da História: “Não há preparação para uma coisa destas. Nós sabemos como devemos aterrar em relação ao vento e à vaga, mas quando ainda temos um motor ainda podemos tentar dar uma volta de 180 graus, pôr o “nariz no ar”… Quando não temos nenhum dos dois motores… caímos que nem uma pedra”.
Ainda assim, vale a pena preparar os pilotos para um imprevisto destes - uma prática que já existia nas escolas de aviação portuguesas, mas que graças à mediatização do ‘milagre do rio Hudson’ se tornou uma prática comum. “Na formação dos pilotos de linha aérea, começou a treinar-se mais especificamente a amaragem. Claro que não podemos treinar na prática, tocando na água, mas nos simuladores treina-se mais este tipo de aterragem desde esse incidente”.
“Isto é um líder”
“Em tantas áreas da vida, temos de ser um otimista a longo-prazo e um realista a curto-prazo”, explica o comandante Sully nas suas memórias, que escreveu quando já contava 42 anos de experiência a voar, 30 deles como piloto comercial na US Airways. “Isto é especialmente verdade devido aos perigos inerentes à aviação”. Porque por muito que a população, e em particular os que seguiam naquele avião no dia 15 de janeiro 2009, o veja como um herói, a verdade é que a decisão de Sully foi muitas vezes questionada, como relata o filme de Clint Eastwood (ver Cinema à 5ª, mais à frente nesta edição do Expresso Diário).
No entanto, a verdade é que quem ensina os próximos pilotos a voar não duvida da decisão tomada em tempo recorde – e executada com uma eficácia que também é de salientar. E embora Sully tenha conquistado o cognome de herói, com o qual insiste não se identificar, o diretor de cursos da AWA esclarece que é preciso enfatizar a “extraordinária coordenação e trabalho de equipa” que existiu entre a tripulação, que naqueles 24 minutos que passaram desde a descolagem à amaragem conseguiu salvar todos os passageiros.
Não se tire mérito a Sully – além das mãos incríveis e do indiscutível sangue frio (o comandante esclarece no livro de memórias que tomou as decisões coordenando-se com o co-piloto “insistintivamente, sem palavras), o comandante Sullenberg destaca-se pelo “espírito de missão” que demonstrou. “Ele foi o último a sair do avião, como nos navios antigos. Isto não é só ter boas mãos e pés – é ser um líder”.