Pedro Santos Guerreiro

Opinião

Pedro Santos Guerreiro

A Europa de Macron é nossa?

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O fogo sem artifício com a vitória de Macron é aceso em grande parte pelo júbilo pela não-vitória de Le Pen. De acordo. Agora França avança para umas legislativas em que tudo será diferente, com um reagrupamento partidário que iniciará uma nova forma de exercício de poder do Presidente. De acordo. Macron é um europeísta e Angela Merkel está contente. De acordo. A União Europeia abrirá o ângulo sem fechar o raio. De acordo?

A União Europeia está em decadência política e ou muda a partir de fora, por pressão inescapável do Brexit, ou muda por dentro, num novo equilíbrio entre Paris e Berlim que lhe dê liderança de poder sem lhe permissão para excluir os países com menos poder. É também por isso que a vitória de Macron é determinante. Para França. Para a Alemanha, que vai a eleições depois do verão, depois das quais se descola um envelope com novas decisões europeias. Para Portugal (como para a Grécia e Espanha e Itália), que no fundo continua alinhado nos princípios e nos fins, espadeirando com facas de abrir sobrescritos nos meios.

Macron é um europeísta financeiramente ortodoxo e economicamente liberal. É um carismático improvável, nisso oposto a François Hollande, que poucos meses depois de entrar no Eliseu já ninguém levava a sério – nem ele próprio, provavelmente. O seu projeto económico é claro, o seu trajeto político futuro ainda não. Primeiro, porque só depois das legislativas saberá com que fios de lã costurará o seu novelo. Depois, porque é impossível perceber se é um leão possante que controlará os acontecimentos ou uma chita veloz que os acontecimentos controlarão.

Depois das presidenciais francesas, das legislativas seguintes e das eleições alemãs, o ano terminará com um quadro político no eixo Paris-Berlim que poderá desbloquear a decisão política para um novo centro decisório, e esperemos que plural e representativo, que permitirá desenhar estratégias para a economia e para as finanças, para os refugiados e para o terrorismo, para a segurança e para defesa, para o desentalar da posição diplomática desconsiderada pelos Estados Unidos e pela Rússia. Isso será mudar por dentro um projeto europeu que perdeu o norte e em que o norte quis perder o sul, que não sabe como gerir a saída do Reino Unido nem tem uma só voz para a política de refugiados nem um só braço para o terrorismo, e que tenderá a desfazer-se se não se refizer.

Macron é tão carismático e teve uma ascensão tão meteórica que está a ser endeusado. É natural: ele age como um líder num país e num continente que suspiram por um líder. É bom que ele tenha sucesso, por todas as razões, incluindo esta: se a França elegeu hoje um presidente tão diferente do anterior porque o anterior falhou, então um falhanço de Macron fará emergir outra alternativa. E depois de quase 11 milhões de franceses terem votado em Le Pen, já sabemos que os derrotados de hoje podem precisar apenas de perseverança e de paciência para poderem sonhar fazer vencer um pesadelo.