REPORTAGEM
O que deseja uma mãe para o futuro do seu bebé? Um emprego, apenas
PERSEVERANÇA A arquiteta Thomais Siarkou com o filho
Na segunda reportagem da nossa enviada à Grécia que estamos a publicar esta semana, a repórter conta, a partir do caso de uma grega que decidiu ter um segundo filho, quão difícil é ter filhos, numa sociedade em plena crise económica e social e cada vez mais envelhecida
TEXTO E FOTO CÁTIA BRUNO, ENVIADA A ATENAS
Não se pode parar a vida por causa das negociações com a Europa ou com o FMI. A vida perfeita que queremos nunca vai chegar, por isso…” É assim que Thomais Siarkou justifica a decisão que tomou de ter um filho em plena crise económica e social. Os gregos estavam ainda no olho do furacão, em 2015, quando Thomais e o marido decidiram que era hora de avançar para um segundo filho, para que este não tivesse uma diferença de idades grande do irmão, que já tinha cinco anos. O desejo de ter duas crianças sobrepôs-se a todo o resto e casal Siarkou avançou - mas estes dois gregos são uma exceção.
Os números na Grécia dão conta de uma taxa de fertilidade decrescente (o número médio de filhos por mulher está agora nos 1,3, abaixo dos 1,5 de 2011, segundo dados do Instituto de Estatísticas Helénico) e a Sociedade Grega de Planeamento Familiar estima que o número de interrupções voluntárias da gravidez tenha aumentado quase 50% desde o início da crise, rondando agora os 300 mil por ano. Ao mesmo tempo, a taxa de mortalidade infantil está a subir, bem como o número de abortos espontâneos. As estatísticas são o espelho do impacto da austeridade tanto nas famílias gregas como nos cuidados de saúde helénicos.
Ao mesmo tempo que o envelhecimento da população se acentua, muitos jovens emigram e poucas crianças nascem. Este bebé de 18 meses que Thomais traz ao colo, num marsúpio azul, é uma exceção. A mãe aproveita o passeio para o amamentar, enquanto empurra lentamente o carrinho vazio e vai espreitando as montras. Espreitando apenas, já que o dinheiro para fazer compras é limitado: “Sou arquiteta, mas atualmente não estou a trabalhar. Não vale a pena. Os 500 euros que eu ganharia por mês gastava-os todos num infantário ou numa ama. Assim prefiro ficar eu com eles em casa.” O esforço de sustentar a família tem recaído todo sobre o marido, também ele arquiteto.
Na mesma rua onde Thomais fala com o Expresso, várias mulheres passeiam-se com flores cor de rosa na mão, distribuídas para assinalar o Dia Internacional da Mulher. “Ser mulher em Atenas não é um problema”, reflete a arquiteta. “Ser mãe sim. É muito difícil. Trabalhamos menos horas, logo recebemos menos dinheiro. Os infantários são demasiado caros ou então não têm as condições que consideramos ideais para os nossos filhos.” Muitas famílias gregas encontram uma solução recorrendo à ajuda dos avós, que tomam conta das crianças. A família desta mulher não tem essa possibilidade, o que deixa esta grega numa situação ainda mais complicada. “Neste ponto da minha vida, com os meus estudos, esperava já ter uma vida melhor do que a que tenho. Este Governo foi uma traição”, declara a arquiteta, de 32 anos, cerrando os lábios. Apesar de admitir que nunca votou no Syriza, não deixou de ter esperança de que algo pudesse mudar. “Mas a situação está cada vez pior”, sentencia.
Para o futuro dos seus dois rapazes - o mais velho àquela hora na escola, o mais novo a olhar atento para a mãe, sem perceber ainda as suas palavras - Thomais formula apenas um simples desejo: “Que possam fazer os seus estudos e encontrar um emprego estável dentro da Grécia”, diz, sem hesitar. “Infelizmente, o que desejo para os meus filhos e o que acho que vai acontecer são coisas muito diferentes.”