FRANÇA

A direita (e a esquerda) mais estúpida do mundo

ACOSSADO François Fillon luta pela presidência, mas agora, mais do que nunca, também para salvar a direita FOTO EPA

ACOSSADO François Fillon luta pela presidência, mas agora, mais do que nunca, também para salvar a direita FOTO EPA

Quatro meses depois do seu largo triunfo nas primárias e de ser o favorito para as presidenciais, o candidato François Fillon bate-se agora, em terceiro lugar nas intenções de voto, para evitar a decomposição da direita. Um histórico socialista disse um dia que a França tinha “a direita mais estúpida do mundo”. Mas o vitupério também se pode aplicar, agora, à esquerda

TEXTO DANIEL RIBEIRO, CORRESPONDENTE EM PARIS

Várias semanas de crise para tudo continuar, formalmente, na mesma. O antigo primeiro-ministro François Fillon ganhou, com garra e força de vontade, o braço de ferro com os dirigentes do seu partido (Os Republicanos) e continua a ser o candidato da direita às presidenciais francesas de 23 de abril e sete de maio (primeira e segunda voltas). Mas os problemas éticos colocados pelas revelações sobre os alegados empregos fictícios da sua mulher e de dois dos seus filhos, bem como o seu processo judicial a este respeito, vão continuar a marcar negativamente a sua campanha eleitoral. A menos de 50 dias da primeira volta das presidenciais, permanecem muitas dúvidas sobre a realidade dos empregos da sua família mais próxima.

Fillon é hoje um candidato extremamente fragilizado porque, além do processo judicial, cerca de 300 quadros da direita, entre eles o diretor da sua campanha, o seu porta-voz oficial e o seu tesoureiro, demitiram-se na semana passada. O candidato conseguiu sobreviver a todos os ataques graças à sua eloquência e ao apoio da base conservadora que votou por ele nas primárias e que se reuniu este domingo num impressionante comício em Paris (cerca de 40 mil pessoas).

François Fillon terá de continuar a fazer campanha com a direita completamente estilhaçada. Os centristas afastaram-se dele, bem como diversos sectores gaullistas. Como vai conseguir, em muito pouco tempo, voltar a reunir toda a direita à volta da sua candidatura? Ninguém consegue responder a esta pergunta. As sondagens indicam que, de momento, o candidato não tem qualquer hipótese de vencer as presidenciais. Era favorito há quatro meses, mas hoje figura em terceiro lugar com entre sete e nove pontos a menos do que a nacionalista Marine le Pen e o social-democrata (independente) Emmanuel Macron.

IMPANTE Marine le Pen está à frente de Fillon FOTO EPA

IMPANTE Marine le Pen está à frente de Fillon FOTO EPA

Devido a esta situação complicada de Fillon, voltou a ser lembrada nos últimos dias, em França, esta histórica asserção do antigo resistente socialista ao nazismo Guy Mollet: “Temos a direita mais estúpida do mundo.” Não é a primeira vez na história política francesa que o vitupério é lembrado, em relação à direita. Mas, hoje, mesmo Fillon reconhece que errou e não deveria ter empregado a mulher e os filhos (no conjunto, receberam cerca de um milhão de euros).

Alem de colar os cacos da direita para tentar fazer esquecer as dissensões e demissões no seu aparelho, o candidato terá de resolver, agora, um autêntico quebra-cabeças político. Tem consigo uma base conservadora e radical, mas perdeu o centro político, que parece hoje mais virado para Macron do que para ele. Como reconquistar os centristas e os gaullistas que o abandonaram?

BENEFICIÁRIO O centro político está agora mais virado para Emmanuel Macron do que para Fillon FOTO REUTERS

BENEFICIÁRIO O centro político está agora mais virado para Emmanuel Macron do que para Fillon FOTO REUTERS

Fillon provou nos últimos dias que sabe fazer frente às contrariedades, mesmo as mais duras – chegou a ser dado como morto, mas ressuscitou. No entanto, tudo parece difícil e muito complicado para ele e para a sua rocambolesca campanha. Chegou a ter uma reunião marcada, para esta quarta-feira - uma autêntica cimeira da direita com o ex-presidente Nicolas Sarkozy e o antigo primeiro-ministro Alain Juppé, seus antigos rivais na primária – mas ela foi anulada. O objetivo da reunião, além da distribuição de postos no aparelho para as diversas fações, era definir uma nova estratégia para a campanha do candidato: alargar a base de apoio e, ao mesmo tempo, travar a hemorragia de votantes para Macron e, eventualmente, para Marine le Pen, se o candidato decidir virar a campanha para o centro.

Esquerda também em maus lençóis

Se, na direita, a crise é evidente, nos socialistas a situação também começa a ser cruel para Benoît Hamon, o candidato do PS, que continua a ser contestado pelos moderados. Estes últimos também se inclinam para dar apoio a Emmanuel Macron, um jovem de 39 anos, inexperiente na política e que foi ministro da Economia durante menos de dois anos no Governo de Manuel Valls, que Hamon derrotou nas primárias.

TREMIDO Tal como o candidato da direita François Fillon, também o candidado do PS, Benoit Hamon, se arrisca a ser eliminado logo na primeira volta FOTO EPA

TREMIDO Tal como o candidato da direita François Fillon, também o candidado do PS, Benoit Hamon, se arrisca a ser eliminado logo na primeira volta FOTO EPA

Em Os Republicanos as divergências estão mais acesas do que nunca mas, no PS, a situação é idêntica. Hamon está, designadamente, a ser pressionado para desistir da sua proposta principal – o Rendimento Universal de Existência, de 750 euros para todos os franceses, que ele justificou com o “fim do trabalho” e o avanço da robótica. O candidato socialista já anunciou que vai “melhorar” a proposta e está visivelmente à beira de efetuar um número de equilibrista sobre o assunto. De momento, todas as sondagens apontam de forma concludente para a eliminação de Hamon e de Fillon na primeira volta das presidenciais.

A frase de Guy Mollet sobre a direita “mais estúpida do mundo” acaba por poder aplicar-se também à esquerda, que apresenta às eleições presidenciais três candidatos – Macron, ex-ministro de um governo socialista e social-democrata liberal, que se diz “nem de esquerda nem de direita”, Hamon e Jean-Luc Mélenchon, apoiado pelos comunistas e pelo Partido de Esquerda, semelhante ao Bloco de Esquerda português. Benoìt Hamon ainda tentou uma aliança com Mélenchon, que figura em quinto lugar nas sondagens, com um pouco mais de 10 por cento das intenções de voto. Mas as negociações entre ambos fracassaram com estrondo em poucas horas e resultaram num desacordo público.

Neste quadro, o que se projeta, a curto prazo, em França, é a implosão dos partidos clássicos do poder, o PS e Os Republicanos (partido descendente dos antigos UMP e RPR), depois das presidenciais.

As sondagens apontam, hoje, para Marine le Pen e Emmanuel Macron na segunda volta das presidenciais. Se tal acontecer, será a primeira vez na História da V República que os partidos tradicionais poderão desaparecer da cena do poder – com todo o rol de incertezas políticas que esse acontecimento trará.

Em junho, pouco mais de um mês depois das presidenciais, decorrerão em França eleições legislativas, com os partidos clássicos que estruturaram a República desde o pós-guerra mais que provavelmente completamente destroçados. Se os dados não voltarem a mudar nesta campanha para as presidenciais, que tem sido recheada de sobressaltos e de surpresas, serão a Frente Nacional, de Marine le Pen, e o novíssimo e indefinido movimento Em Marcha, de Emmanuel Macron, os partidos que irão marcar os próximos anos, em França…