A tempo e a desmodo
Henrique Raposohenrique.raposo79@gmail.com
O calorzinho gostoso de Isabel dos Santos
Alguém está a precisar de brincar aos pobrezinhos FOTO D.R.
O instagram de Isabel dos Santos é revelador. Ali está a filha de um dos grandes cleptocratas do mundo, ali está uma “empreendedora” que “empreendeu” a partir dessa posição de benjamim do cleptocrata, ali está uma pessoa que pavoneia férias no “friozinho gostoso” (sic) da neve europeia enquanto milhares de crianças morrem no calorzinho gostoso de Angola. Porque é que este instagram é revelador? Num tempo de indignação permanente, fico sempre surpreendido com o silêncio da elite lisboeta em relação a esta clique angolana que vive à grande e à francesa enquanto milhares de crianças morrem em Angola porque não têm água potável, vacinas, medicamentos, redes para mosquitos. Angola, segundo a UNICEF, é o pior país do mundo para crianças. É pior do que a Síria ou o Iraque. Mas em Lisboa sente-se uma conivência vergonhosa com este estado de coisas. Dos advogados aos políticos, dos artistas aos comentadores, quase toda a gente se cala. Esta bancarrota moral custa-me mais do que a bancarrota financeira.
Os média não estão fora deste perímetro vergonhoso. Com raras exceções, a nossa imprensa vive num estado de absurdo temor em relação ao poder angolano que comprou empresas, escritórios e agências de comunicação em Lisboa. Porque é que nenhum escritor ou jornalista português fez até hoje uma reportagem semelhante àquela que Nicholas Kristof fez para o “New York Times”? E os enviados da RTP fazem o quê em Angola? Turismo neocolonial? É assim tão difícil fazer uma reportagem ou documentário que nos mostre o nauseante abismo entre a elite de Isabel dos Santos e um povo cujas crianças morrem porque os hospitais nem água têm para limpar o sangue e as vísceras que jazem no chão depois das operações?
Durante os dois ou três minutos que o leitor gastou na leitura desta crónica, morreram duas ou três crianças em Angola (morrem 80 por dia), mas em Portugal este escândalo é uma mísera nota de rodapé. É por isso que volto a dizer: esta bancarrota moral custa-me mais do que a bancarrota financeira. A segunda ajeita-se de uma maneira ou outra, a primeira não tem jeito nem conserto fácil, porque meia Lisboa gosta do calorzinho financeiro de Isabel dos Santos.