Henrique Monteiro

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Henrique Monteiro

Sun Tzu e o general humilhado

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Sun Tzu, o mais brilhante general e estratego chinês que no séc. VI a.C. nos deixou “A Arte da Guerra” como um dos mais importantes contributos para a estratégia política e militar, já avisava que um comandante pode ter cinco defeitos terríveis: coragem inconsciente; excesso de vontade de sobreviver; ferver em pouca água; insegurança e excesso de compaixão. Cada um destes defeitos corresponde a uma possibilidade tremenda na batalha. O excesso de coragem leva à morte; a vontade de sobreviver a qualquer custo conduz à captura; a ira a ser-se insultado; o excesso de compaixão a ficar-se amargurado e a insegurança a ser-se humilhado.

É curioso como foi a insegurança – em todos os aspetos que esta palavra pode ter em português – que levou o Chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, a dizer-se humilhado pelos acontecimentos de Tancos. Não sei exatamente o que deve fazer um general que assim se sente, mas não me parece que a declaração seja muito feliz para alguém que tem de comandar e ser um exemplo para os seus homens.

O comandante deve defender os seus homens – todos e cada um – como se fossem filhos

Voltando a Sun Tzu, porque não há Academia Militar que não o ensine, ficamos a saber que o comandante deve defender os seus homens – todos e cada um – como se fossem filhos. “Olhem para eles como filhos e eles estarão convosco até à morte.” Ora o general Rovisco “exonerou temporariamente”, algo que ainda não tinha entrado no nosso vocabulário, cinco filhos. E com isso provocou um enorme granel (palavra que é usada pelos militares para bagunça). Depois disso, afirmou que tinha a maior confiança nesses homens, mas ontem no Parlamento já pareceu afirmar coisa diferente. Ou seja, o general Rovisco parece estar capturado pelo desejo de sobreviver, como disse o filósofo e estratego chinês.

O general terá as melhores intenções do mundo e será o mais competente dos soldados, mas como comandante parece deixar muito a desejar.

Vejamos: o CEME tem de fazer a ponte entre a política, que comanda as Forças Armadas em geral e por isso também o Exército, e os seus militares. É visto pelos militares como “um dos nossos” e pelos políticos ou pelo Governo como “um dos deles”. Deve saber que é assim desde o preciso momento em que entra em funções. Acontece que está a perder a autoridade para baixo e o respeito de cima e assim chega o ponto em que começa a correr o risco de ser visto como não sendo de lado nenhum. Os oficiais solidarizam-se com os “exonerados”, perplexos de como pôde o chefe do Estado-Maior dizer o que disse na televisão, sem avisar os demitidos (ou suspensos) e sem abrir qualquer processo; os políticos ficam a interrogar-se para que querem um chefe que não chefia.

Rovisco é o maior seguro de vida do ministro Azeredo Lopes, que deve ter lido Sun Tzu com muito mais atenção que o CEME. Escrevo estas linhas antes de saber as conclusões do que disse o ministro da Defesa esta tarde no Parlamento, mas perante aquele coro que, bem ou mal, pede uma demissão, a de Rovisco parece mais evidente do que a do ministro, sendo que não está excluída a hipótese de caírem os dois.

O mesmo Sun Tzu dizia que o comandante, quando se vê numa situação desesperada, deve ser muito claro com os seus homens, pois só assim eles lutarão a seu lado para saírem dessa situação. O general Rovisco não poderia ser mais claro do que, assumindo as responsabilidades do Exército no roubo de Tancos, demitir-se ele próprio. Na verdade, ele é o responsável máximo do Exército - e o resto é conversa. Além de que, e volto sempre ao mestre chinês, o excesso de vontade de sobreviver o deixará capturado.