Henrique Raposo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Porque é que as bases do PS ainda apoiam Sócrates?

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Não fiquei surpreendido. Numa peça do Expresso de sábado, assinada por Luísa Meireles, podemos ler o seguinte: “nas páginas de Facebook de militantes socialistas começaram a surgir fotografias de cartões do partido rasgados” logo após as declarações de César; “o movimento acentuou-se depois das declarações de António Costa no Canadá e, na sexta-feira, quando se soube que Sócrates decidira sair do partido (...) as redes sociais socialistas ‘incendiaram-se’ (...) para muitos ele (Sócrates) é uma religião”, diz um conhecedor destes meandros socialistas”. Como é que isto é possível? Como é que ainda há socialistas a defender o indefensável? Este é só mais um facto que agrava este cenário: neste século, o pós-verdade em Portugal confunde-se com o PS.

O 'camarada' do PS vê a prisão de Sócrates como uma humilhação pessoal; é como perder um filho para a droga. Mas a droga central desta história é mesmo a presunção de superioridade moral deste partido

O problema, como tentei explicar na minha coluna de sábado, é que o totem deste fanatismo não é José Sócrates, mas sim o próprio PS. Estes e outros militantes não estão interessadas na verdade, porque nas suas cabeças a “verdade” é definida pelo líder socialista que se senta no trono soarista. Estas pessoas saltam de narrativa em narrativa para evitarem a verdade. Antes diziam que Sócrates era um perseguido. Depois passaram à tese da cabala. Quando o Ministério Público lançou finalmente a Operação Marquês e prendeu Sócrates, fizeram questão de lançar a ideia de que Sócrates era um preso político - e não um político que por acaso está preso. Agora calculo que a narrativa mais usada seja aquela que foi publicitada por Arons de Carvalho: não é crime viver de dinheiro emprestado de amigos.

Esta é a cultura tribal do PS. O socialista típico vê-se como alguém especial, como alguém que tem uma superioridade moral intrínseca; vê-se, aliás, como o próprio dono do regime. Naquela cabeça, o regime é o PS e o PS é o regime e, portanto, um ataque ao PS é um ataque à democracia. O PS não é aqui muito diferente do PCP: o partido é uma extensão quase familiar ou pessoal do “camarada”. É por isso que o “camarada” do PS vê a prisão de Sócrates como uma humilhação pessoal; é como perder um filho para a droga. Mas a droga central desta história é mesmo a presunção de superioridade moral deste partido. E é isso que deve agora ser repensado. Já vi muitos socialistas, do Parlamento e do jornalismo, a fazer mea culpa nestes dias sobre Sócrates. Falta fazer mea culpa sobre a cultura de superioridade moral que está a montante. Porque é que precisaram de dez anos para constatar a evidência? Pior: porque é que muitos continuam a defender Sócrates?