REPORTAGEM
Os licenciados ainda podem sonhar com um emprego lá fora, os outros nem isso
FOTO GETTY
Este é o primeiro de uma série de textos que o Expresso vai publicar a partir de Atenas, numa fase em que a situação na Grécia voltou a agravar-se. Durante esta semana vamos disponibilizar uma série de perfis de vários gregos, todos eles diferentes, que dão rosto às estatísticas do país
TEXTO CÁTIA BRUNO, ENVIADA A ATENAS
Manolis Karathanasopoulis tinha 20 anos quando votou pela primeira vez para eleger um Governo. Estávamos em janeiro de 2015 e a Grécia já tinha pedido dois resgates financeiros, a que correspondera com programas de austeridade profunda. O desemprego rondava os 25%, milhares de pessoas tinham perdido as suas casas e outras tantas não conseguiam pagar as despesas do dia-a-dia. Sem perspetivas de mudança, uma depressão profunda instalara-se entre a maioria dos gregos.
Para Manolis, quando chegou o momento de preencher o boletim de voto, só havia uma opção: SYRIZA. “Precisávamos de ter esperança nalguma coisa. Precisávamos de ter esperança de que era possível mudar a situação”, explica o estudante de Ciências Informáticas. A maioria dos gregos sentia-se exatamente como Manolis - e o SYRIZA, virgem nas lides governamentais, seria eleito com 36% dos votos, numa eleição histórica.
A maioria dos jovens decidiu dar um voto de confiança ao partido de esquerda, mas não só. Muitos gregos de meia-idade decidiram atirar pela janela a fidelidade aos partidos do centro (Nova Democracia, centro-direita, e os socialistas do PASOK) e arriscar em algo novo. Foi também assim com os pais de Manolis, um professor de matemática de liceu e uma lojista. “Eles estavam fartos”, resume o estudante.
Manolis Karathanasopoulis FOTO CÁTIA BRUNO
Agora, dois anos depois dessa eleição, o cenário pouco se alterou. O desemprego baixou ligeiramente (está agora nos 23%), mas os jovens continuam a ser os mais afetados pela falta de trabalho. Ao todo, 47% dos gregos com menos de 29 anos estão desempregados. “Aqui na universidade os estudantes preocupam-se muito com o futuro e em como arranjar trabalho”, conta Manolis, sentado em cima de uma mesa num corredor da Universidade de Economia e Gestão de Atenas. Atrás dele estão dezenas de cartazes do KKE, o partido comunista ortodoxo grego que tenta captar votos entre os jovens descontentes com o Governo. “Continuamos a vir estudar para o ensino superior porque a maioria de nós tem esperança de conseguir arranjar um trabalho no estrangeiro. Eu planeio só ficar aqui até acabar o curso, por exemplo… As coisas estão muito difíceis: mesmo que eu arranje um emprego, o salário é de certeza muito baixo.”
Os números revelam que, apesar da crise, os jovens gregos não desistem dos estudos. De 2009 a 2014, o número de inscritos nas universidades tem vindo a aumentar de ano para ano (há agora quase mais 10 mil inscritos do que no início da crise, segundo dados do Instituto de Estatísticas Helénico), talvez porque para os jovens sem habilitações académicas as chances de encontrar emprego dentro ou fora da Grécia são quase zero.
FOTO EPA
“Eu e os meus amigos falamos muito sobre a crise, procuramos soluções e, sobretudo, falamos dos nossos sonhos…”, diz Manolis. “Só que parece que só poderemos ser capazes de os realizar se sairmos da Grécia.” Os licenciados ainda podem sonhar com um emprego lá fora, os outros nem isso.
Dois anos depois daquela vitória do Syriza que encheu Manolis e os seus pais de esperança, a situação continua a parecer desesperada como nunca. O estudante ainda deu uma hipótese ao partido de Alexis Tsipras nas eleições antecipadas de setembro de 2015, contribuindo para a sua reeleição, mas se houvesse novas eleições hoje não repetia o feito. “Estou desiludido. O que eles disseram antes de assinar o acordo com a Europa [verão de 2015] e o que fizeram depois… eles mudaram completamente!” E antes de partir para uma aula sobre algoritmos, Manolis deixa uma confissão: “Nas próximas eleições, não votarei em ninguém. E a maior parte dos jovens que conheço sente o mesmo.” Isto, é claro, se entretanto Manolis não tiver encontrado um trabalho como programador no estrangeiro e deixado a Grécia para trás.