Investigação iniciou-se depois de uma denúncia anónima que falava numa toupeira no Campus da Justiça. Benfica é acusado de crimes de corrupção ativa, recebimento indevido de vantagem e falsidade informática
Texto Hugo Franco, Pedro Candeias e Rui Gustavo
Uma chamada anónima chegou à Unidade Nacional de Combate à Corrupção (UNCC) da PJ a 27 de setembro do ano passado. Seria considerada mais um telefonema, e possivelmente descartado dias depois, não fosse o informador trazer dados considerados consistentes para a equipa que já investigava outros casos suspeitos relacionados com o Benfica.
Essa pessoa que não se quis identificar alertou que o Benfica tinha um “canal privilegiado no Campus da Justiça”. Ou seja, uma toupeira que já teria passado ilegalmente diversas peças processuais de um inquérito em curso na 9ª secção do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa a “responsáveis daquele clube”.
É precisamente esta secção do Ministério Público que investiga os fenómenos de corrupção desportiva em Portugal. A mesma que esta terça-feira avançou com a acusação contra a SAD encarnada, o assessor jurídico do clube Paulo Gonçalves e dois funcionários judiciais, por suspeitas de corrupção, violação do segredo de justiça ou falsidade informática no chamado processo e-toupeira.
Tudo isto praticamente um ano depois do tal telefonema anónimo para a PJ em que o informador dizia ter “indicações precisas e uma descrição pormenorizada” do conteúdo de vários documentos confidenciais. Todos eles relacionados com o caso dos e-mails, uma investigação da PJ sobre uma alegada rede de influência dos encarnados junto de figuras da Liga de Clubes e da arbitragem (que se encontra ainda em aberto).
Nessa chamada, esta pessoa garantia também que os documentos do DIAP de Lisboa teriam sido passados à socapa “a uma ou mais sociedades de advogados” que costumam prestar serviços jurídicos ao clube da Luz. E que à conta deste “canal privilegiado” e “avençado”, as águias acompanhariam “a par e passo, desde o início, a investigação em causa, tendo conhecimento privilegiado sobre a tramitação processual do inquérito”. Por outras palavras, “sabem tudo sobre o processo”, concluiu.
Depois do telefonema, o coordenador da PJ na UNCC, Pedro Fonseca, revelou à superior hierárquica os factos relatados pela fonte anónima, que no seu entender “teve claramente acesso ao acervo de documentos em causa”. Fonseca concluiu que os factos relatados eram “graves”, sendo suscetíveis de dar origem à prática de crimes, principalmente se tiverem sido cometidos “no exercício de funções públicas” e “no interior de órgão de soberania”, o que em si mesmos “potenciaram fortemente a destruição da viabilidade investigatória” no caso dos e-mails. No final desse mês de setembro iniciou-se a investigação à toupeira encarnada.
Investigação
E-toupeira: oficial de justiça foi pago com acesso ao anel VIP do Estádio da Luz
Acusação diz que José Augusto Silva foi corrompido com acesso à mais exclusiva tribuna VIP do Estádio da Luz. Proibição de participação no campeonato é uma possibilidade real
Texto Hugo Franco, Pedro Candeias e Rui Gustavo
A acusação do Ministério Público no processo e-toupeira alega que o funcionário José Augusto Silva teve como contrapartida do Benfica o acesso ao anel VIP do clube. Isto é, um lugar no estádio junto à tribuna presidencial, à elite do clube e aos seus convidados. De acordo com a descrição do próprio site do Benfica, o anel VIP do estádio tem sete mil lugares "especiais", quer "pela sua localização, quer pelo "tipo de cadeiras de elevado conforto" e "restantes benefícios associados".
O MP pediu o afastamento imediato do oficial de justiça - que está preso preventivamente - e acusa-o de se ter deixado corromper e de ter passado a Paulo Gonçalves informação sobre processos em segredo de justiça que envolviam não só o Benfica, como também os rivais FC Porto e Sporting. O outro funcionário judicial acusado, Júlio Loureiro, é também observador de árbitros e o MP também pediu o seu afastamento imediato.
De acordo com a acusação, José Augusto Silva acedeu 385 vezes a processos em segredo de justiça usando a password adormecida de uma magistrada e a de dois funcionários judiciais que chegaram a ser suspeitos mas foram ilibados pelo MP.
Contactado pelo Expresso, o advogado de José Augusto Silva garante que ainda não foi notificado da acusação.
BENFICA PODE SER SUSPENSO
O "Correio da Manhã" e o "Jornal de Notícias" desta quarta-feira dizem que na acusação o MP pede uma suspensão de participação no campeonato de seis meses a três anos para o Benfica, De acordo com o que a Tribuna Expresso apurou junto de fonte judicial, a suspensão é uma possibilidade que resulta do facto de a Benfica SAD ter sido acusada de "recebimento indevido de vantagem" que pode ter como consequência a referida proibição. É uma possibilidade real.
CONSELHO DE DISCIPLINA DA FPF ABRE INQUÉRITO
Entretanto, o Conselho de Disciplina (CD) da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) anunciou esta quarta-feira a instauração de um processo de inquérito, com base num comunicado judicial, depois de o Ministério Público ter divulgado a acusação do processo "e-toupeira".
"Instaurado processo de inquérito, por decisão do presidente do CD, de 5 de setembro de 2018, com base em comunicado de autoridade judiciária e notícias na comunicação social. O processo foi enviado, hoje, à Comissão de Instrutores da Liga Portuguesa de Futebol Profissional, mantendo-se em segredo até ao fim do inquérito", lê-se no comunicado do órgão disciplinar da FPF.