Henrique Monteiro

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Pode jogar-se sem adversário?

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Uma velha piada conta que um homem, no meio de uma discussão acesa, exclama aos gritos: “Larguem-me que eu vou-me a ele!”. Os circunstantes, admirados, fazem-lhe notar que ninguém o está a agarrar. Então o mesmo homem grita: “Então agarrem-me senão eu mato-o”. Não sei porquê – e não há de ser da moleirinha, que nem sequer está calor por aí além –, o homem faz-me lembrar… Rui Rio… e Santana Lopes… e o PCP e o Bloco e todos os que não são do PS nem do Governo e dão a ideia de que… se vão a ele.

O PS conseguiu diversas notáveis façanhas, quase todas devidas ao seu líder. A primeira, e mais importante, foi quebrar a tradição política do país e formar um Governo sem ter ganho as eleições; a segunda foi obter o apoio parlamentar para esse Governo do PCP e do Bloco; a terceira foi, sem acabar com a austeridade nem descurar os compromissos com Bruxelas e o FMI (no que esteve bem), manter o apoio da rapaziada que é sempre contra Bruxelas, contra os acordos e contra o FMI; a quarta foi acabar com a oposição do PSD; a quinta foi fazer com que uma das referências do PSD saísse do partido.

Imagino sempre António Costa entrar em casa e dizer à família: “Isto vai tão bem que parece um sonho”. Se ao princípio o seu sorriso de gato de Cheshire, aquele sorriso tão brilhante que faz esconder todo o corpo atrás dele, podia ser uma estratégia, hoje é uma consequência. Recordemos que a frase decisiva do gato, na magnífica novela “Alice no País das Maravilhas”, é “para quem não sabe para onde vai, qualquer caminho serve”. Isto, depois de Alice lhe perguntar para onde vai a estrada e ele lhe responder com outra pergunta: “para onde quer ir a menina?”. Esta, que nada conhece naquele país de maravilhas, diz que não sabe porque está perdida… é quando Cheshire sentencia que qualquer caminho serve!

Eu creio que Costa estava perdido e qualquer caminho lhe servia. O da ‘geringonça’ era um dos possíveis e a verdade é que, em vez de mais tarde encontrar a rainha de copas, que primeiro cortava o pescoço e depois fazia o julgamento, deu com Marcelo Rebelo de Sousa que faz o julgamento, as alegações finais, a sentença, representa ambas as partes e absolve, ou por índole ou por cálculo (cada um dirá o que entende) toda a gente.

No fundo, Costa vai vencer porque joga sem adversário. Mesmo não concordando com tanto que ele diz e faz, chego a pensar que se aborrece desta vida

Também Costa caiu por um poço – curiosamente igualmente atrás de um Coelho (Passos) – e deu com um país das maravilhas. O PCP e o Bloco, ou por cansaço ou por ambição de poder, passaram a achar aceitável o que antes diziam inadmissível; Coelho desapareceu de vez e o seu substituto, um Rio de águas calmas, aceita com normalidade o que o Governo faz. Nas exceções, grita como o referido homem “agarrem-me, senão eu mato-o”. Mas, claro, é uma encenação depois de uma futebolada, enquanto se entretém a meter na ordem e castigar os seus parceiros de jogo. Porque Rio partilha da máxima do barão de Coubertin, segundo a qual mais importante do que ganhar é participar. E se ele participa…

Santana, que era o mais que tudo do partido, tendo perdido uma vez mais umas eleições internas, partiu para outra. Já percebeu que só em Aliança pode ter peso. Aliança com quem? Com quem der. Convenço-me que se ele tiver três deputados e a Costa faltarem dois ele também se alia. Afinal uma aliança serve para isso. Nesse sentido Santana é duplo rival de Rio, porque Rio também se alia. E ambos são concorrentes do Bloco e do PCP que não querem outra coisa senão aliar-se. Aqui, a história, continuando numa falsa infantilidade, passa da Alice para a Carochinha e Costa já está à janela, com a moedinha que é o poder, a escolher quem será o seu João Ratão, agora na versão cantada “Quem quer, quem quer, casar com o Costinha que é tão risonho e tem mais poder do que tinha?”. As respostas hão de suceder-se e ganhará o que mais ceder ao noivo.

No fundo, Costa vai vencer porque joga sem adversário. Mesmo não concordando com tanto que ele diz e faz, chego a pensar que se aborrece desta vida. Jogar sem ter quem se lhe oponha torna-se enfadonho. Pior é jogar, de forma viciada, sabendo que quem parece opor-se, na verdade está defronte da carochinha a oferecer-se para marido.

E se o problema fosse só Costa ter uma vida enfadonha, já tão virada para assuntos internacionais, onde ainda há quem dê luta, seria o menos. O problema é que o país com uma vida assim não progride. Não há uma reforma, não há uma ideia nova, não há um objetivo comum. Há uma modorra, a velha pasmaceira. A mais de um ano das eleições nada está em causa, salvo saber com quem casa a carochinha, dando de barato que a carochinha é que manda. Para isso, funciona o que de pior tem a democracia: o bacalhau a pataco para manter as clientelas; as promessas ridículas, más, ruinosas, demagógicas, populistas. E uma falta de pachorra que há muito não se via.

Não há equipa contrária. Todo o jogo é um mero treino com a agravante de muitos daqueles que estão a ver pensarem que se joga a sério.