Ricardo Costa

Opinião

Ricardo Costa

#elenao ajudou Bolsonaro?

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Não é uma questão nada intuitiva, mas todas as sondagens brasileiras mostram que as intenções de voto em Jair Bolsonaro cresceram depois de um fim de semana de manifestações marcadas pelo poderoso hashtag #elenao. Mais relevante, os mesmos estudos mostram que o candidato machista e misógino (entre muitas outras coisas) conquistou mais popularidade no eleitorado feminino.

O espanto com a evolução das sondagens foi tal que muita gente, nomeadamente o candidato Ciro Gomes, assumiu que as manifestações em plena campanha eleitoral tinham sido um tiro no pé. Como bem sintetizou, “não vai ter #elenao no boletim de voto”. Pois não, “vai ter” nomes em quem votar e a polarização em torno de temas específicos (mesmo transversais a toda a sociedade, como é este caso) colocam todos contra um, o que beneficia claramente o um (Bolsonaro). Sobretudo quando o segundo candidato mais bem colocado é vice-campeão nas taxas de rejeição do eleitorado.

A tentativa de tentar fatiar o eleitorado em termos políticos numa eleição de largo espetro raramente funciona. Houve latinos a votar em Trump, como houve imigrantes a votar Le Pen e vai haver muitas mulheres a votar Bolsonaro. Porque é que isso acontece? Porque todos os estudos eleitorais mostram que as razões do voto cruzam imensos elementos. E mesmo mulheres que odeiem as suas ideias retrógradas e ultraconservadoras podem valorizar mais outros temas, que vão das promessas de combate ao crime até ao simples varrimento do PT e de Lula.

Este último ponto é particularmente importante. As manifestações do fim de semana tiveram muito aproveitamento político e remeteram para algumas imagens e ideias que já cruzavam as manifestações do PT sobre o “golpe” contra Dilma e o processo judicial contra Lula. A mistura do #elenao com o estilo #foigolpe é um bumerangue quando usada em plena campanha eleitoral.

Há muitas lições a tirar destas assustadoras eleições brasileiras. Muitas só poderão ser retiradas depois da segunda volta e de bons estudos pós-eleitorais. Mas já é relativamente claro que o lançamento de campanhas ou movimentos em torno de temas muito concretos que não são corporizados por um candidato alternativo podem beneficiar o alvo contra o qual nasceram.

Trump soube aproveitar isso muito bem, Bolsonaro consegue o mesmo sem precisar sequer de tempo de antena ou de uma FOX News. Limita-se a contar a passagem dos dias e a cavalgar grupos de WhatsApp.

O #elenao foi um poderoso grito cívico. Mas, a uma semana de eleições e em plena campanha, pode ter tido um efeito contraditório. Traçou uma linha vermelha onde já havia muitos temas em debate, esquecendo que os eleitores ponderam muitos temas e valores. E pode ter acabado a extremar ainda mais as eleições mais polarizadas de sempre. É triste, mas o #elenao pode mesmo ter ajudado Bolsonaro, porque a alternativa a uma ideia tão clara como a das manifestações da semana passada é um #elesim.