Henrique Raposohenrique.raposo79@gmail.com

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

ONU não é melhor do que a Goldman Sachs

A outra Goldman Sachs FOTO REUTERS

A outra Goldman Sachs FOTO REUTERS

Não aprecio Durão Barroso e não confio neste capitalismo de algoritmos gerido pelas Goldman Sachs. É por isso que nunca pedi dinheiro ao banco, é por isso que defendo a austeridade, isto é, uma menor dependência de Portugal em relação ao crédito oferecido pelas Goldman Sachs. O curioso é que os histéricos anti-Goldman Sachs são também os maiores aliados da Goldman Sachs, porque rejeitam a austeridade, porque não querem deixar de governar através da dívida garantida por esta torre de marfim financeira. Sim, a esquerda é que é “neoliberal”, a esquerda é que não sabe governar sem o recurso ao “capitalismo de casino”, a esquerda é que exige o endividamento do estado e o consumismo das famílias. Os progressistas, e até os revolucionários, passam a manhã a xingar o capitalismo (o que garante boa imprensa), mas à tarde só sabem governar com esse capitalismo (o que garante clientelas políticas). É uma das grandes fraudes intelectuais do nosso tempo.

E, nas últimas semanas, esta fraude tem sido o cenário de uma das narrativas do verão, que reza assim: Durão Barroso é uma personagem amoral porque resolveu entrar na Goldman Sachs; ao invés, António Guterres é um exemplo de retidão porque está a tentar liderar a ONU. Mas alguém julga que a ONU é um local de princesas imaculadas? A ONU não é a UE ou a NATO, não é uma aliança kantiana de democracias, é um pote de ditaduras e de regimes sanguinários onde, por mero acaso, também encontramos algumas democracias; é o campo da pura realpolitik, o espaço onde coligações de ditaduras conseguiram colocar a Líbia de Kadhafi à frente da comissão dos direitos humanos. Alcançar seja o que for na ONU implica cedências a regimes sanguinários e a culturas misóginas. Teria a sua piada termos um homem na Goldman Sachs e um homem na ONU, mas convém perceber que o nosso homem na ONU não é uma carmelita, é um político profissional. E, como todos os políticos profissionais, não perde horas de sono com as posições amorais que necessariamente toma para chegar ao topo.

Convinha, portanto, moderar a irritante boa imprensa que cerca António Guterres. Tal como Barroso, este homem abandonou o país. Tal como Barroso, quis ser um cortesão das grandes instituições mundiais. Tal como Barroso, merece desconfiança jornalística, e não beicinhos acríticos. Mas, como se sabe, em Lisboa não se pode esperar equilíbrio narrativo na comparação entre um homem de esquerda e um homem de direita. À partida, o primeiro é sempre um príncipe. À partida, o segundo é sempre o sinistro ser.