Lisboa

Entram as casas acessíveis, saem os lojistas

Foto Tiago Miranda

Foto Tiago Miranda

As lojas de revenda da Rua de São Lázaro, em Lisboa, têm os dias contados. O espaço vai ser reabilitado para casas de renda acessível e os lojistas não vão conseguir pagar as futuras rendas. O Bloco de Esquerda, que pertence ao executivo camarário, vai pedir esclarecimentos à Câmara

Texto Carolina Reis

Há pelo menos 30 anos que as mesmas lojas ocupam o espaço da Rua de São Lázaro, na freguesia de Santa Maria Maior, em Lisboa. São lojas de revendedores, que também atendem ao público, e que tornaram aquela zona da cidade quase um sinónimo de grande armazém de produtos fabricados em Portugal.

Mas a rua será reabilitada em breve através de uma parceria público-privada para casas do Programa de Rendas Acessível (PAR), obrigando os lojistas a migrar para outra zona da cidade. Em causa estão 70 a 80 postos de trabalho diretos.

Apesar de a reconstrução também contar com um espaço para lojas, os revendedores alegam que não podem comportar as futuras rendas. E acusam a Câmara Municipal de Lisboa (CML), que é o senhorio, de só negociar partindo do pressuposto que vão sair - e argumentam que estão a ser “despejados” com uma baixa indemnização. O Bloco de Esquerda, que pertence ao executivo camarário, vai pedir esclarecimentos.

“Temos sido muito críticos destas parcerias público-privadas. Esta lógica comercial não é transferível para a Amadora, Olaias ou Chelas. É um comércio muito local, muito enraizado. Tem de existir pelo menos uma abertura para aceitar um espaço perto para estes lojistas. Acredito que ainda é possível”, diz ao Expresso Ricardo Robles, vereador bloquista parceiro do executivo liderado por Fernando Medina e onde detém o pelouro da Educação e Direitos Sociais

Já fui ver aqui ao pé e pedem €3000 por 90 m2. É impossível pagarmos isso

Os lojistas da Rua de São Lázaro dizem que a postura da CML tem sido sempre no sentido de não contar com eles e de os tentar empurrar para a Alta de Lisboa. “Isto é um negócio local. As pessoas já sabem que aqui estamos, vêm de propósito para nos comprar. Os prédios vão ter lojas na mesma, mas a CML não nos dá a hipótese de ficar”, diz José Coelho, um dos lojistas.

Os preços das atuais rendas – que segundo os lojistas são entre os 200 e os 500 euros, são muito diferentes daqueles que agora se praticam na zona. “Já fui ver aqui ao pé e pedem €3000 por 90 m2. É impossível pagarmos isso”, continua José Coelho.

Depois de há dois anos receber a indicação da CML de que a zona seria reabilitada e que teriam de sair, os lojistas organizaram-se numa associação. Marcos Vidal, dono da pensão que também terá de sair e presidente da Associação Comércio Tradicional Rua de São Lázaro (ACTLS), diz que as propostas de indemnização feitas pela CML são muito baixas e que até têm diminuído. “A CML já assinou contrato com a empresa que vai fazer a reabilitação e com o pressuposto de que não estaremos cá.”

As indemnizações – que segundo os moradores rondam os 40 mil a 50 mil euros – não são minimamente compensatórias, dizem os lojistas. “Estão a querer dar-me 40 mil euros, mas para indemnizar os funcionários preciso de 80 mil”, diz José Fernandes, um comerciante que ali está há 35 anos.

Os comerciantes defendem que, além de fazerem parte da história da cidade, são também responsáveis pela exportação de produtos portugueses. “Mais de 90% do que vendemos é feito em Portugal. Temos clientes estrangeiros, em especial dos PALOP, que cá vêm só à procura dos produtos portugueses. As fábricas que nos fornecem também estão preocupadas”, frisa José Fernandes.