IGUALDADE

Quanto maior a escolaridade, maior a diferença salarial entre homens e mulheres

FOTO JOSÉ CARIA

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Desigualdades entre homens e mulheres começam antes do primeiro emprego, diz ao Expresso a presidente da CITE, no Dia Europeu pela Igualdade Salarial. “É uma questão educacional, que tem início dentro das próprias casas.” Governo vai criar grupo interministerial para estudar propostas de combate à discriminação de género

TEXTO MARIA JOÃO BOURBON

A partir desta quinta-feira o trabalho das mulheres europeias deixa de ser remunerado, em comparação com o dos homens, que continuam a receber o salário até 31 de dezembro. É esta a conclusão da Comissão Europeia, que escolheu o dia 3 de novembro para assinalar o European Equal Pay Day (Dia Europeu pela Igualdade Salarial), em função do número de dias em que as mulheres trabalham sem remuneração face aos homens.

Já em Portugal esta perda simbólica ocorreu esta terça-feira, 1 de novembro, altura em que se assinala o dia a nível nacional. “Isto significa que existem cerca de dois meses de trabalho não remunerado das mulheres em relação aos homens”, explica ao Expresso a presidente da da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), Joana Gíria. Ou seja, 61 dias não remunerados.

O número de dias é calculado a partir dos dados mais recentes (Quadros de Pessoal 2014) do Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho e Solidariedade Social (GEP-MTSS): os salários médios das mulheres são inferiores aos dos homens em 16,7%, um valor que se encontra próximo da média europeia e que diminuiu face a 2013 (17,9%). “Uma das principais razões para esta redução terá sido o aumento do salário mínimo nacional, em outubro de 2014, uma vez que a proporção de mulheres abrangidas é consideravelmente superior à dos homens”, pode ler-se na página oficial da CITE. De facto, nos anos anteriores, entre 2009 e 2012, o fosso salarial aumentara em 9,56 euros.

“Embora as mulheres tenham qualificações mais elevadas que os homens, são estes que conseguem chegar mais facilmente a cargos de topo e salários mais altos”, sublinha Joana Gíria. E, à medida que o nível de escolaridade aumenta, as diferenças salariais tendem a ser superiores. Segundo revelam os dados do GEP-MTSS, a diferença média de salários é menor ao nível do 1º ciclo do ensino básico (as mulheres ganham 86,9% da remuneração de base dos homens) e maior entre os licenciados (com elas a obterem apenas 70,4% da remuneração média de base deles).

É tendo em conta este cenário que o Governo, por intermédio da secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade e do secretário de Estado do Emprego, vai criar um grupo interministerial para desenvolver propostas de combate às discriminação e disparidades salariais entre homens e mulheres. “Daqui a seis meses, no máximo, o grupo de trabalho estará finalizado.”

Uma “sociedade adormecida” que não acompanha a legislação

“Enquanto a legislação avança, é a própria sociedade que se conforma com esta situação.” A afirmação é de Joana Gíria, para explicar o facto de os resultados de igualdade de género em Portugal não refletirem o que está previsto na lei. “Parece que vivemos numa sociedade adormecida.”

A presidente da CITE recorda que a igualdade de género é uma questão de direitos humanos e de toda a sociedade, relacionada com os talentos, lucro e produtividade das empresas. Mas destaca ainda um dado curioso: nos setores mais masculinizados - ou seja, com maior percentagem de homens que de mulheres -, elas ganham mais que eles. Uma explicação pode estar no nível de qualificação necessário para desempenhar essas atividades, que incluem transportes e armazenagem, captação, tratamento e distribuição de água e saneamento, construção, entre outras.

Apesar das diferentes 'nuances' que o nosso tecido empresarial pode apresentar, Joana Gíria deixa uma certeza: a desigualdade de género começa antes do primeiro emprego. “É uma questão educacional, que tem início dentro das próprias casas. Se em casa as mães dedicam mais tempo às tarefas domésticas, é esse o exemplo que as filhas vão ver e, com o tempo, achar que é normal ser esse o papel da mulher”, dedicando menos tempo aos empregos.

Para a jurista é “impensável” que esta desigualdade continue a existir na sociedade atual. “É triste reconhecer que, se tivermos um filho e uma filha em casa, daqui a 20 anos ele ganhará mais 16% do que ela, só pelo facto de ser homem.” A educação e sensibilização da sociedade é, neste contexto, fundamental.