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Ricardo Costa

Eu, que não sou doutor

É muito curioso que as mais recentes polémicas sobre a estranha mania que políticos e funcionários políticos têm de inventar licenciaturas surja tão perto da Websummit. Mostra bem os dois lados da parolice nacional que confunde muitas cabeças na administração portuguesa. Por um lado precisam de ter os gabinetes enfeitados com gente de currículos duvidosos, sejam lá de onde forem, têm é que ser doutores; por outro, ficam maravilhados com jovens de boné e camisas de surfistas que fazem gala em terem mandado a universidade às urtigas para inventar uma start-up.

Eu, que não sou doutor, tenho enormes dificuldades em perceber o que leva gente a fingir que tem uma licenciatura, sobretudo quando sabem que isso acabará por os ferir de morte. Não só os prejudica diretamente como afeta séria e irreversivelmente a imagem dos Executivos a que pertencem. Apesar das enormes diferenças, os casos que envolveram José Sócrates, Miguel Relvas e agora um assessor e um chefe de gabinete têm em comum a necessidade de se mostrar que se tem uma licenciatura e de colocar isso no currículo e nos cartões de visita (e, agora, no Linkedin).

E se essa necessidade diz muito sobre os próprios, também diz imenso sobre Portugal, um país que confunde a necessidade de se ter mais licenciados - ainda estamos bem abaixo da média da UE - com toda a gente ter que ser licenciada. E, sobretudo, com a estranha necessidade de toda e qualquer pessoa que tenha funções em certos organismos ter que ser licenciado. E se é verdade que o Estado deve ter regras de contratação que obriguem a cargos académicos conforme a função, gostava de saber porque raio um assessor de um ministro ou um chefe de gabinete deve ostentar um Dr. no cartão?

Ao longo de anos lidei com centenas de ministros, chefes de gabinete e assessores. Já encontrei pessoas incrivelmente preparadas, outras profundamente incompetentes, muitos que só lá estão por serem das Jotas, outros que percebem dos assuntos e outros que andam deslumbrados com os gabinetes, a frota automóvel e mais umas coisas que andam a par do poder político. Mas há por ali quase sempre uma prática que deve ter sido herdada do Estado Novo e que infelizmente só piorou com a democracia: a conversa do senhor doutor para ali e do senhor engenheiro para acolá, dos salamaleques ridículos e das vénias pavlovianas.

Larguei a Universidade Nova no terceiro ano porque fui estagiar para o Expresso. Cometi o erro de não conciliar as duas coisas. Mas foi uma opção que tomei e que a vida profissional e familiar, mais tarde, impediram de reverter. É um erro que tenho dificuldade em explicar aos meus filhos - que, aliás, usam com facilidade essa arma -, mas é o que é

Muitas pessoas não são licenciadas porque não conseguiram ou porque não puderam ou porque não quiseram. Ou porque tomaram opções de vida - certas ou erradas - que as levaram para longe da Academia. Eu larguei a Universidade Nova porque fui estagiar para o Expresso quando estava no terceiro ano da faculdade. Cometi o erro de não querer conciliar as duas coisas, o que até teria sido fácil. Mas foi uma opção que fiz e que a vida profissional e familiar, mais tarde, impediram de reverter. É um erro que tenho dificuldade em explicar aos meus filhos - que, aliás, usam com facilidade essa arma -, mas é o que é.

Ao longo da vida, a maior dificuldade que tive foi gerir as situações em que me chamam doutor. É raro o sítio onde vou ou sou convidado em que o meu nome não aparece com esse prefixo. Sempre que vou a tempo, corrijo, mas muitas vezes é tarde demais. Quando não causa embaraço a terceiros, corrijo isso de imediato; num ou noutro caso, não digo nada para não atrapalhar quem me convidou ou organizou o colóquio ou evento. Mas estas situações só acontecem por esta mania de colocar títulos académicos em qualquer coisa que mexe: qual é a diferença de um orador num qualquer colóquio ser ou não doutor, quando está ali convidado pelo seu percurso profissional ou público? Zero. Mas em Portugal as coisas não são assim.

O caso mais extremo é nos bancos. Durante anos lutei para que os cheques não dissessem “Dr.”. Fiz requerimentos para isso mas a máquina era imparável. Felizmente, já quase não se usam cheques, mas nos cartões também acabei semi-derrotado. Há pelo menos um onde me resignei ao “Dr.”, apesar de não haver um único papel ou formulário do banco onde se diga que sou licenciado. E isto já me aconteceu com pelo menos três bancos! Ou seja, apesar de escrever que tenho “frequência universitária”, os bancos gostam de chamar “Dr.” aos clientes.

Eu, que não sou doutor, vou gostar de ir à Websummit. Pelo menos naqueles três dias, a mania nacional fica suspensa. Vou ver doutores a fazerem vénias a surfistas de 26 anos que gerem empresas de mil milhões de dólares e falsos licenciados a ouvirem gente que se gaba de nunca ter posto um pé numa faculdade. E vou sobretudo ver gente a tratar-se pelo nome, sem mais nem menos, de forma informal, a trocar ideias com admiração mas sem uma ponta de reverência.

Era bom que quem anda na política aprendesse com isso. O que interessa são as ideias, o trabalho, a competência, o conhecimento e a capacidade de perseverança e adaptação. Nisso tudo, uma licenciatura pode ser - e é cada vez mais - uma ferramenta fundamental. E a aprendizagem ao longo da vida ainda mais. Mas se, por acaso, isso não nos aconteceu - por azar, estupidez ou falta de meios ou oportunidade - só há que encarar isso com naturalidade. Talvez um dia o país de doutores seja menos formal e pacóvio e deixemos de ter essa originalidade, que dá pelo nome de falso licenciado.

ALTOS

Vasco Cordeiro

Presidente do Governo Regional dos Açores

Depois de ter conseguido renovar a maioria absoluta do PS nos Açores, Vasco Cordeiro já tem pronta a nova equipa para governar a Região Autónoma nos próximos quatro anos. Mantém quatro governantes do executivo anterior e ainda acrescenta uma pasta nova ao elenco.

André Silva

Futebolista

O jovem avançado do Porto não só continua a marcar golos, ontem conseguiu o tento solitário da vitória frente ao Brugges, como se revela cada vez mais como um elemento decisivo na equipa orientada por Nuno Espírito Santo.

Maria Luís Albuquerque

Dirigente do PSD

Na entrevista que hoje dá ao jornal Público, Maria Luís Albuquerque, muitas vezes falada como uma possibilidade na luta pela sucessão a Passos Coelho, não afasta uma candidatura autárquica em Lisboa no ano que vem. A ida a votos pode ser uma prova de fogo para esta dirigente em ascensão no partido nos últimos anos.

BAIXOS

François Hollande

Presidente de França

Num livro agora lançado, e sobre o qual ainda ontem o Daniel Ribeiro escrevia aqui no Expresso Diário, fica a saber-se como durante anos, e em conluio com Bruxelas, Paris apresentava propositadamente números falsos em relação ao défice das suas contas públicas que já sabia que não iriam ser cumpridos.

Martim Silva