Ricardo Costa

Opinião

Ricardo Costa

Ainda há lugar para Beyoncé no Ramalhete?

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Um dos problemas de estar na moda – e, já agora, de oferecer estupendas isenções fiscais – é obrigar a gerir coisas pouco habituais e, ainda por cima, ter de o fazer à vista de todos. Acontece aos porteiros de discotecas famosas, aos gerentes de restaurantes da moda onde não se arranja mesa e, genericamente, a todos os que gerem bem escassos com grande procura e holofotes ligados. E agora acontece aos autarcas...

Não sei se Fernando Medina alguma vez foi barrado à porta do Frágil dos velhos tempos. Aconteceu-me várias vezes, o que não foi um problema porque nas redondezas havia muito onde “estacionar” para beber copos. Não era a mesma coisa, a música era pior, o ambiente... enfim, mas servia e, sobretudo, era mais barato. Ou seja, a discricionariedade é sempre discutível, mas tem uma relação especialmente perigosa com a falta de alternativa. Se existe alternativa, é a vida. Se não existe, é um problema.

É certo que Madonna não é uma moradora qualquer e que a sua vinda para Lisboa tem um elevado impacto económico. Achar que a rainha da pop não merece um atendimento especial é um pouco puritano. Mas entre o atendimento e a concessão vai uma certa distância.

Madonna andou à procura de casa uns largos meses. Apesar de não ser um tipo de casa muito abundante no mercado, havia seguramente palacetes e vivendas estupendas com imensos lugares de garagem e zona para estacionar. No Estoril ou no Restelo há imensas. Nas Janelas Verdes a coisa é um pouco mais difícil.

[No pedido de estacionamento feito por Madonna] a Câmara não pode atuar, nem sequer ser vista, como o porteiro do Frágil dos velhos tempos. Tem que ter critérios, contratos e ser transparente

É aqui, e só aqui, que esta história se transforma num caso. Quem escolhe ir viver para um dos alegados Ramalhetes do Eça não está à espera de ter lugares de estacionamento em quantidade. Em Nova Iorque, Londres ou Paris há bairros onde a escolha seria igualmente limitativa. O cachet das Janelas Verdes tem a contrapartida do estacionamento. Pedir o parque do Museu da Arte Antiga para resolver o problema é mais do que um absurdo, mas aconteceu. Felizmente a recusa foi imediata. Pedir à Câmara para ajudar a resolver o problema não é um absurdo, mas não só aconteceu como teve solução. Neste ponto específico a CML não pode atuar, nem sequer ser vista, como o porteiro do Frágil. Tem que ter critérios, contratos e ser transparente.

Em rigor, devia ter divulgado tudo desde o momento zero. Esvaziava o caso e tornava a decisão coletiva ou objeto de debate. Agora, a melhor solução, ou única, é divulgar todos os contratos do género que existem na cidade.

Se Beyoncé comprar outro dos Ramalhetes (os especialistas em Eça não se entendem sobre a casa de Carlos da Maia), o que faz a CML? Arranja lugares onde? Eu tenho uma sugestão, ou melhor, três: a) ver se há lugares no Hotel da Lapa ou proprietários das enormes casas do bairro que aluguem espaços; b) alugar lugares à EMEL mesmo em frente às Janelas Verdes, mas do outro lado da linha do comboio, já que o parque era vazio e a distância a pé é muito curta; alugar os lugares no parque da EMEL em Alcântara, que tem espaço de sobra e fica a um quilómetro da casa de Madonna (basta uma carrinha fazer o shutlle para levar a equipa depois). Eu tenho o carro neste último estacionamento, mas prometo não tirar fotos nem colocar nada no Instagram.