Chamem-me o que quiserem
Henrique Monteiro
Educação: ‘fake news’ ou factos alternativos?
Podemos interrogar-nos sobre as culpas de tudo e mais alguma coisa. Podemos, até achar que a culpa é da monarquia, convém é sermos coerentes. Se um incêndio deflagra por culpa da política do Governo anterior (que terminou em 2015) não é normal que os sucessos do ano letivo 2015/2016 (que começou com o Governo anterior e terminou com este) nada tenha a ver com o passado.
A segunda coisa que convém é não escrever ‘factos alternativos’ como se fosse Trump a comandar as hostes. No ‘Jornal de Notícias’, por exemplo, escreve-se que nunca se chumbou tão pouco em Portugal. E acrescenta-se que a queda dos chumbos no Secundário é progressiva desde o ano 2000 e, no Básico, “só interrompida nos anos do ministro Nuno Crato (…) voltando a cair desde que Tiago Brandão Rodrigues chegou à 5 de Outubro” (por acaso chegou em 26 de novembro, mas ainda lhe deu tempo para mudar tudo nesse ano). Será? Lá vamos às estatísticas do Ministério: Olha! Não é!
Talvez seja demasiado sensível a este tema por vários motivos, entre os quais a amizade que me liga a Nuno Crato (a qual não corresponde a qualquer inimizade por outros ministros da pasta, independentes, do PSD ou do PS, pelo contrário). O certo é que acompanho, mais socialmente do que como jornalista, os assuntos da Educação e tive bons mestres que me ajudaram e ajudam a ver os problemas. Por isso sei onde estão as estatísticas. No Básico, no ano letivo 2001/2002 há uma subida de retenções, e em 2009/2010 não desce. Sobe durante dois anos de Crato e desce os últimos três anos. Não sei se quem fez o artigo percebe que os dados agora divulgados dizem respeito a 2015/2016 e por isso são, essencialmente assacáveis ao Governo anterior (sobretudo para quem é tão lesto a culpar o passado, há que dizer que os anos letivos são preparados antes de começarem).
Todos os anos baixou a taxa de retenções. Todos! O número mais baixo volta a ser o de 2016 e o segundo mais baixo o de 2015
Depois, há um aspeto geral – a tendência é sempre descendente. O número mais baixo de retenções no básico (6,4%) foi em 2015/2016, mas nos ‘anos negros do cratismo’ a maior percentagem de retenções foi mais baixa do que há 10 ou 15 anos. Por isso, sim, a tendência, que é o que conta, é descendente e qualquer pessoa séria o sabe. Aliás, se assim não for, há uma contradição. É que no 4º Ano (aquele em que o atual ministro acabou com os exames) há uma subida das retenções, ou dos chumbos, se preferirem. Quer isto dizer alguma coisa? Para algumas pessoas deverá querer dizer, mas eu mantenho a ideia geral – tendência de decréscimo. Resta dizer que no Secundário, o ‘obscurantismo cratista’, mesmo visto à lupa, não se fez sentir. Todos os anos baixou a taxa de retenções. Todos! O número mais baixo volta a ser o de 2016 e o segundo mais baixo o de 2015. O ‘obscurantismo’, como percebem só é válido para alguns números. Ou seja, o artigo em causa só seria verdadeiro caso Nuno Crato fosse ministro em todos os anos que sobe a taxa e deixasse de ser em todos os anos que desce. Mas, infelizmente para quem o escreveu (e não foi só no JN, faça-se essa justiça), essa realidade é alternativa.
E, finalmente, uma pergunta simples: por que baixam as taxas de retenção, com ou sem exames, com ou sem Crato? Que quer isso dizer? Santos Silva, Júlio Pedrosa, David Justino, Maria do Carmo Seabra, Maria de Lurdes Rodrigues, Isabel Alçada, Nuno Crato (Margarida Mano, durante os 15 dias daquele Governo de Passos que caiu) e Tiago Brandão Rodrigues foram todos ministros desde 2000. O país desenvolveu-se na área da Educação? Sabemos mais? Parece que sim. O PISA e o TIMMS aí o estão para provar. Atribuir esses méritos a uma só pessoa – seja Crato, seja Tiago, seja Maria de Lurdes – é errado e pernicioso. Há uma continuidade subterrânea, apesar das divergências entre ministros. Alguma dessa continuidade é profundamente injusta e claramente errada (nos métodos do eduquês, do facilitismo e muitos outros), mas em muitos aspetos foi corrigida.
Esperemos que continue a sê-lo e que não se considere como modelo um ensino sem retenções, sem que o cábula voluntário seja penalizado.