Henrique Raposo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Vergonha é terem demorado dez anos

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Sabemos há pelo menos dez anos quem é José Sócrates. Dou de barato os primeiros anos. Conhecemos há dez anos o seu perfil, a não-licenciatura, as casas da Beira, a casa e a vida milionária impossíveis de manter com o salário que recebia, os negócios de estado feitos para lá da decência, a colocação de Vara no centro da banca, as PPP inconcebíveis, etc., etc., etc. Conhecemos há pelo menos dez anos a sua incapacidade para lidar com a liberdade alheia, conhecemos há dez anos os ataques sistemáticos a jornalistas, sabemos há dez anos que montou uma máquina de propaganda e de ataque sistemático aos seus críticos; sabemos há dez anos que esta máquina contou com o apoio de gente do “meio” do jornalismo e do comentário. E agora, só agora, a meio de 2018, os socialistas lá resolvem dizer que sentem vergonha. Não, não: vergonha é terem demorado dez anos a chegar aqui.

Vergonha tenho eu: vivo num país cujo partido dominante demorou dez anos a fazer este mea culpa sobre José Sócrates. É uma década de amoralidade ou imoralidade

Conhecemos há dez anos aquela prepotência manifestada nos inquéritos do Ministério Público. E, já agora, conhecemos há quatro anos os factos que estão no centro da acusação do Ministério Público. Há quatro anos que sabemos, por exemplo, que ele recebeu malas de dinheiro vivo enviadas por um amigo construtor civil com quem fez negócios enquanto estava no poder; e recebeu este dinheiro enquanto foi primeiro-ministro e depois de deixar o poder. Fosse qual fosse o veredicto judicial, havia aqui um veredicto moral e político a retirar: este não é um comportamento aceitável num cidadão normal, este é um comportamento ainda mais inaceitável num ex-primeiro ministro. Neste sentido, o PS devia ter tido a coragem de criticar Sócrates logo em 2014.

O PS diz agora que se sente envergonhado com a figura de Sócrates. Não, não: vergonha é terem demorado dez anos. Vergonha tenho eu: vivo num país cujo partido dominante demorou dez anos a fazer este mea culpa sobre Sócrates. É uma década de amoralidade ou imoralidade. Vergonha tenho eu: vivo num país que só ataca quem já está morto. Onde é que estiveram os socialistas do Parlamento e dos jornais quando foi preciso criticar o José Sócrates todo-poderoso? Onde é que estiveram enquanto ele destruiu objetivamente o país?