ALEX LOWE
O alpinista lendário que esteve congelado 16 anos
ALEX LOWE 1958-1999 “Reconheço com alegria que não sou especialista em nenhum aspeto do alpinismo, o que tem ajudado a manter a chama da paixão acesa” FOTO ALEX LOWE CHARITABLE FOUNDATION
É uma história tão fascinante quanto cruel, daquelas de filme: Alex Lowe, considerado o melhor alpinista da sua geração, tentava quebrar um novo recorde quando uma “avalanche enorme” lhe tirou a vida e enterrou o seu corpo num glaciar dos Himalaias. Passaram 16 anos. Na semana passada, um dos seus companheiros de expedição, agora casado com a viúva de Lowe, recebeu uma chamada: o corpo do “pulmão com pernas” foi encontrado, perfeitamente preservado pelo gelo
TEXTO MARIANA LIMA CUNHA
Foram 20 horas de buscas incessantes até o grupo se ter visto forçado a anunciar a desistência. “Tivemos uns dias muito duros. Há cerca de 30 horas, pelas 21h20 (hora do Nepal) do dia 5 de outubro, a tragédia interrompeu a nossa expedição. (...) Depois de 20 horas de buscas, desistimos e damos Alex e David como mortos.”
O excerto faz parte de um relatório datado de outubro de 1999 e assinado por Andrew McLean, líder da expedição em que a lenda do alpinismo Alex Lowe e o companheiro David Bridges morreram soterrados por uma “avalanche enorme”. Dezasseis anos passados, o impensável aconteceu: os corpos dos dois aventureiros acabam de ser encontrados no Tibete, perfeitamente conservados pelo gelo, como que “parados no tempo”, diz a viúva de Lowe.
É uma história tão fascinante quanto cruel - e com uma particularidade enorme: em “45 anos”, filme que esteve nomeado aos Óscares deste ano, a vida de um casal idoso e aparentemente estável sofre uma reviravolta que ninguém podia prever quando o corpo de uma antiga namorada do marido, Geoff, aparece conservado em gelo, em circunstâncias muito semelhantes às da morte de Lowe.
Na realidade, os acasos do destino de Lowe também parecem ter sido idealizados por um bom guionista, porque depois da morte do alpinista a sua viúva Jennifer acabou por casar com o amigo Conrad Anker, que seguia na mesma expedição mas acabou por escapar com várias costelas partidas e um ombro deslocado. Em 2001, depois do casamento, Anker adoptou os três filhos de Alex e Jennifer, e com ela criou a Fundação Alex Lowe para efeitos de caridade.
Foi Jennifer, através de um comunicado da Fundação, que anunciou esta sexta-feira ao mundo que os corpos de Alex e David foram encontrados tal como estavam há 16 anos, “parados no tempo”. “Entretanto vivemos 16 anos e agora eles foram encontrados. Estamos agradecidos”, explicou a viúva, acrescentando que vai, com o marido e os filhos, deslocar-se ao local onde Alex foi encontrado para lhe poder finalmente “dar descanso”.
TRAGÉDIA Na fotografia, Alex Lowe e David Bridges, os dois aventureiros que perderam a vida quando tentavam escalar a 14ª montanha mais alta do mundo FOTO ALEX LOWE CHARITABLE FOUNDATION
No dia fatídico, a 5 de outubro de 1999, o grupo de nove alpinistas encontrava-se a 5.800 metros de altura, no pico tibetano de Shishapangma, que mede no total 8.013 metros, o que faz desta a 14ª montanha mais alta do mundo. A intenção dos aventureiros era escalar o Shishapangma e descê-lo depois de ski, tornando-se o primeiro grupo americano a fazê-lo.
Os recordes não eram uma novidade para Alex Lowe, apelidado de “pulmões com pernas” ou “o mutante” pela reconhecida força e energia (“reconheço com alegria que não sou especialista em nenhum aspeto do alpinismo, o que tem ajudado a manter a chama da paixão acesa”, explicava o próprio Lowe na edição de março de 1999 da revista de montanhismo Outside, em que era considerado o melhor alpinista a nível mundial). O alpinista natural de Montana, nos Estados Unidos, conseguiu em 25 anos de carreira feitos tão difíceis como a escalada do pico Kwangde, no Nepal, do Taulhiraju, no Peru, e alcançou por duas vezes o topo do Evereste. Ironicamente, nessa edição da Outside podia ler-se: “Parte da mística [de Lowe] deve-se ao facto de parecer ter uma inesgotável força de viver”.
ALEX LOWE “Tinha agilidade do homem-aranha e a rapidez de uma lagarta” FOTO ALEX LOWE CHARITABLE FOUNDATION
Alex Lowe, que tinha 40 anos naquele outubro de 99, estava num declive exposto, acompanhado de David Bridges, um dos três operadores de câmara encarregados de documentar a aventura, e Conrad Anker quando a avalanche se abateu sobre eles, a uma velocidade de 160 quilómetros por hora. Os restantes seis membros do grupo assistiram à tragédia, impotentes. "A parte mais surreal é que dois dos nossos amigos estão presos no gelo, e conseguimos vê-los mas não podemos fazer nada acerca disso. É uma experiência muito triste e frustrante", escrevia Andrew McLean no dia em que regressou com o resto do grupo, incluindo Conrad Anker, ao acampamento base.
Dois dias depois da tragédia, a 7 de outubro, era a vez de Hans Saari, também alpinista do mesmo grupo, escrever isto: “A avalanche que se abateu sobre nós há 48 horas parece um sonho, mas agora somos apenas sete e essa é uma chamada de atenção cruel. A noite passada foi algo terapêutica. Ficámos todos na tenda de dois metros e contámos histórias dos nossos amigos pela madrugada fora”, citava na altura a BBC. No obituário publicado no “Guardian” citava-se o também alpinista Greg Child para dizer que Lowe tinha “a agilidade do homem-aranha e a rapidez de uma lagarta”.
PIONEIRO Além da força e destreza, Alex Lowe era conhecido por gostar de documentar e divulgar, nos primeiros anos em que a internet se democratizava, as suas viagens FOTO ALEX LOWE CHARITABLE FOUNDATION
Depois daquele avalanche fatal, para quem seguia com eles e para a viúva de Lowe foi difícil aceitar a ideia de não haver corpos para enterrar, um luto completo para fazer. Os corpos de Alex e David acabaram por aparecer agora, mas de uma forma perturbadora: conservados tal e qual como estavam na altura da tragédia, há 16 anos, quanto respetivamente contavam 40 e 29 anos de idade. No seu livro de memórias “Forget Me Not”, cujo último parágrafo é citado pelo “Guardian”, Jennifer explica: “O corpo de Alex vai aparecer quando o glaciar derreter. Não estou ansiosa por isso”.
Esta primavera foi particularmente quente e seca nos Himalaias, o que explica o aquecimento do glaciar em que os dois corpos se encontravam preservados e a consequente descoberta por um dos melhores alpinistas da atualidade, o suíço Ueli Steck, e o seu companheiro David Goettler. Quem recebeu a chamada deles foi Conrad, que contou o seguinte à Outside: “Ele disse: ‘encontrámos dois corpos. Estavam perto um do outro’. Mochilas vermelhas e azuis, botas amarelas. Era tudo equipamento daquela época. Eles eram praticamente os únicos alpinistas naquela zona. Estamos bastante seguros de que são eles”.