Trânsito
Com a GNR, pela estrada fora. E sempre à direita
Na última semana, a GNR esteve a fiscalizar o uso abusivo das vias do meio ou da esquerda. 840 pessoas foram multadas. A Operação Via Livre da GNR esteve na estrada e o Expresso foi à boleia. Demorámos apenas quatro minutos a encontrar o primeiro infrator
Texto Marta Gonçalves Fotos Luís Barra
A patrulha está pronta a sair. O carro preto descaracterizado operacional: a câmara a funcionar, o portátil com bateria e a impressora carregada com papel. O tenente Celso Leones Pereira e o guarda Artur Ribeiro verificam os últimos pormenores para deixar o Posto de Trânsito de Coina, na margem sul do Tejo. Às 15h19, chave na ignição e lá vão para mais uma ação da Operação Via Livre da Guarda Nacional Republicana (GNR), que fiscaliza a “circulação abusiva pela via do meio e da esquerda”.
Assim que entram na A2, um carro bem no meio da estrada. O veículo cinza não tinha ninguém à direita ou à esquerda. Não havia outros carros nos quilómetros seguintes. Nada nem ninguém o impedia de cumprir as regras.
“Vai mesmo ter que ser”, comenta o guarda Ribeiro.
“Pois… Já está na via do meio e com a da direita vazia há mais ou menos três quilómetros. Não há desculpa”, concorda o tenente Leones Pereira.
Enquanto o guarda ao volante acelera para se aproximar do infrator, o tenente aciona os sinais luminosos e sonoros. Brrrrrrr. Wewewewe. Ambos encostam na berma. O relógio marca 15h23. Passaram quatro minutos desde que a patrulha deixou o posto de trânsito.
O guarda Ribeiro sai do carro de patrulha e dirige-se ao condutor: explica-lhe o que aconteceu, em que errou e pede os documentos. Entretanto, dentro do carro-patrulha, o tenente Leones Pereira vai preparando o auto de contraordenação.
“Por acaso nem é meu hábito. Tenho conhecimento de que deveria andar à direita, mas não sabia que estar na via do meio ou à esquerda era muito grave”, refere o condutor J.
Até agora, o Código da Estrada definia que o condutor se deveria deslocar o mais à direita possível, mas era uma espécie de conselho. Com as mais recentes alterações ao Código, no verão de 2016, passa de sugestão a obrigação, ou seja, é punível com coima, de 60 a 300 euros. O condutor pode ainda perder até quatro pontos na carta e ficar inibido de conduzir entre um e quatro meses.
“Sempre que, no mesmo sentido, existam duas ou mais vias de trânsito, este deve fazer-se pela via mais à direita, podendo, no entanto, utilizar-se outra se não houver lugar naquela e, bem assim, para ultrapassar ou mudar de direção”, lê-se no código da estrada.
J. nunca tinha sido multado. “Vinha distraído, a pensar na vida”, justifica aos agentes. A distração, o desconhecimento do Código e a ausência de trânsito são as desculpas mais vezes ouvidas pela GNR.
“Reparamos, por exemplo, que a condução abusiva nas vias mais à esquerda acontece mais ao fim de semana. Nesses dias as pessoas estão mais descontraídas e relaxadas, distraindo-se com mais facilidade. As manobras perigosas, o excesso de velocidade e as ultrapassagens são mais frequentes nos dias de semana, quando as pessoas estão stressadas e com mais pressa”, diz o tenente. “Até a questão de pagarem a multa no momento ou mais tarde varia consoante a altura do mês”, acrescenta.
J. quis pagar na hora os 60 euros. Pagou a dinheiro, mas podia tê-lo feito por multibanco ou cheque. Se optasse por não pagar naquele momento, a sua carta ficaria retida e ser-lhe-ia entregue uma guia de substituição com validade de seis meses. Depois, a dívida poderia ser saldada nos 15 dias seguintes e o documento levantado junto das autoridades.
Agora, J. ficará à espera da notificação da Autoridade Nacional Segurança Rodoviária (ANRS), que o informará relativamente à inibição de condução e aos pontos a descontar na carta. Caso o infrator deseje recorrer da multa, também o pode fazer. Se for provado que o auto de contraordenação não foi corretamente passado, o dinheiro da coima é devolvido.
A Operação Via Livre arrancou a 2 de março, com uma primeira fase de sensibilização dos condutores para a condução na via da direita. Entre os dias 27 de março e 2 de abril, decorreu o período de fiscalização, em que foram contabilizados 840 casos de circulação abusiva pela via do meio e da esquerda. “Há duas semanas, não se via tanta gente à direita e a via mais à esquerda vazia”, comentam os dois operacionais da GNR.
“Sabemos que as pessoas não gostam muito de nós”
A viagem de patrulha faz-se ao som da Rádio Orbital. Entre uma piadola ou um assunto de trabalho, o guarda Ribeiro e o tenente Leones Pereira vão passando o tempo. Têm de ter o dobro da atenção: para a condução e para os erros de quem circula na estrada.
“É sobretudo necessário bom senso. Tendo dúvidas se o condutor infringiu a lei, não fazemos nada. Mais vale um culpado à solta do que um inocente autuado”, garantem. “Em vias onde o trânsito é muito intenso é necessário ter noção que nem sempre é possível conduzir mais à direita. A ponte 25 de Abril e a A2, a partir do Fogueteiro, no sentido sul-norte, são um perfeito exemplo de trânsito intenso”, acrescenta o tenente.
O guarda Artur Ribeiro e o tenente Celso Leones Pereira
Andam para a frente e para trás. Fazem o mesmo percurso vezes sem conta. Ao longe, outro carro. É preto e circula na via do meio com a estrada completamente vazia. Mandam-no encostar. Surpresa: o condutor também está ao telemóvel.
“Peço imensa desculpa senhores agentes. Desculpem-me. Conduzo sempre à direita” explica o condutor, que ficou com duas multas a manchar o seu registo até à altura imaculado (€60 pela condução na via do meio e mais €120 pelo uso do telemóvel). “Sou extremamente cuidadoso e fico irritado com isto, por causa da carta. Preferia ter perdido mil euros do que pagar esta multa. Era a pior coisa que me podia ter acontecido agora”, lamenta M., que viajava com a mulher ao lado.
Depois do auto de contraordenação passado e a coima já paga, M. conta que foi a aflição e a preocupação que o fizeram agarrar no telemóvel e atender a chamada. Do outro lado, ligava-lhe a filha, que estava nas urgências com o neto. “A minha mulher também estava a fazer uma chamada e por isso não usei o sistema de alta voz, para não incomodar”, diz.
Desfazendo-se em pedidos de desculpas, M. e a mulher seguiram caminho. No carro-patrulha, fez-se silêncio. Aquela multa custou um bocadinho a passar, mas “a lei tem de ser cumprida por todos”.
“Já perdi a conta ao número de pessoas que vinha ao telefone e me disseram que um familiar tinha acabado de morrer. Tenho a certeza que algumas dessas situações eram verdade, mas… como posso saber? A lei é para cumprir e tem de ser igual para todos”, sublinha o tenente Leones Pereira.
Um dia antes, os dois tinham multado um homem. Custou-lhes passar a coima, pois sabiam que aquela pessoa tinha perdido a família num acidente de viação há umas semanas. “Fomos nós que tínhamos sido chamados para assistir”, recordam. Já aconteceu também, quando chegam junto da janela do infrator, encontrarem uma cara conhecida, seja um familiar, um amigo ou até um colega de profissão.
“Às vezes custa, mas pelo menos enquanto se lembrarem do que pagaram, vão atentos à estrada e não voltam a fazer a mesma asneira”, acrescenta o guarda Ribeiro.
Chamadas, mensagens e… redes sociais
Apesar do foco principal da Operação Via Livre ser o posicionamento dos veículos nas vias, registam-se outras infrações às quais os militares não podem fechar os olhos. O excesso de velocidade (675) e a utilização do telemóvel durante a condução (88) foram as mais frequentes.
“O que acontece cada vez mais já nem são os telefonemas, é o manuseamento por causa das redes sociais e das mensagens”, conta o tenente Leones Pereira. Um telemóvel nas mãos quando se está ao volante pode custar pelo menos €120.

Foram ainda registadas 72 infrações devido à falta de inspeção periódica obrigatória dos carros, 17 por falta ou uso inadequado de cintos de segurança e cadeirinhas para crianças e cinco por excesso de álcool no sangue.
Naquela que foi a primeira operação de fiscalização à circulação abusiva nas vias do meio e esquerda, estiveram nas autoestradas e vias reservadas a automóveis e motociclos 568 militares. No total, a GNR conta 1 116 contraordenações numa semana.
“A próxima operação da GNR deveria ser o pisca seguro”, brinca o tenente Leones Pereira. “Dentro das cidades, sobretudo, é incrível a quantidade de gente que não usa”.