Terá Costa percebido que a estratégia de tensão é autodestrutiva?
A entrevista desta segunda-feira de António Costa à TVI foi convincente, no tom certo que convém ao Governo para explicar o orçamento e apresentar as suas propostas. O primeiro-ministro não fugiu aos problemas, reconheceu as dificuldades, não inventou dramalhões sobre as greves ou as demissões nos hospitais, argumentou sobre as escolhas que estão colocadas. Não adiantou demais nem comprometeu as negociações que está a desenvolver, exceto na recusa de baixar o IVA da eletricidade, admitindo no entanto uma alternativa orçamental para reduzir ligeiramente a fatura elétrica. Manteve em aberto as questões do aumento da função pública, do investimento em saúde ou da redução dos passes sociais. Não foi incomodado com o Infarmed ou com a promessa de acabar com o adicional do imposto sobre combustíveis, mas fez tudo o resto de forma segura, como no caso da PGR, de Tancos ou de Pedrógão.
A novidade, e é uma novidade assinalável, é que procurou evitar prolongar a estratégia de confronto com os seus parceiros, que o PS e o próprio primeiro-ministro têm promovido. Pode haver duas razões para ter desvalorizado essas quezílias e não as ter alimentado, ao contrário do que tem revelado noutras entrevistas, no final do congresso do PS ou mesmo, embora com mais elegância, em debates no Parlamento. A primeira razão seria simplesmente ganhar tempo. As sondagens não são tranquilizantes para esta forma de política que consiste em atirar contra os aliados, e as pessoas reconhecem que o debate das diferenças políticas, aliás bem conhecidas, não se deve confundir com rasteiras. Esperar seria então somente uma forma de medir o clima. Essa seria a razão mais perigosa.
A outra razão, em alternativa, pode ser ter percebido que a estratégia de tensão é contraproducente e potencialmente enfraquecedora. Ela tem o inconveniente de dar força aos sectores do Governo que sempre quiseram romper o acordo assinado – o que, na realidade, já tentaram fazer alguma vez, como quando propuseram a redução da TSU patronal em troco do aumento do salário mínimo. E, como já tinha havido outros momentos difíceis (a votação e desvotação das rendas da energia, a ocultação das propostas para o reforço da precarização que foram acordadas com as associações patronais), o defeito torna-se feitio se é muito vezeiro. Mas, sobretudo, a estratégia é destrutiva, pois evidencia uma duplicidade de linguagem e de atitude que suscita a pergunta: se um governo minoritário trata assim parceiros de cujo voto depende, como seria se tivesse maioria absoluta?
O que o fim de semana demonstrou é que a manobra do fel e do mel cria dificuldades inúteis e transforma um governo que procura evidenciar estabilidade num fator de perturbações da sua própria aliança
Contra o Bloco, Carlos César empenhou-se em setembro numa continuada ação de bullying, como alguns jornais notaram, multiplicando agressões dirigidas. Começou por sugerir que uma proposta de imposto contra a especulação imobiliária que estava a ser considerada desde maio nunca tinha sido discutida, aceitando depois de várias versões contraditórias que afinal tinha sido falada havia meses numa reunião com seis membros do Governo, o ministro das Finanças e cinco secretários de Estado, mas “assim numa conversa por alto” e que de qualquer modo estava recusada, o que o Governo nunca afirmara.
Ao mesmo tempo, Costa manteve um tom de condescendência para com o PCP, como se ouviu na última quarta-feira no Parlamento, repetida naquele “vá lá, homem, você é capaz de mais”. Ora, como tenho alertado, isto pretende dividir o PCP e só pode resultar em irritação profunda, por apresentar este partido como um instrumento dócil do Governo.
Em resposta, no domingo e na segunda-feira, Jerónimo de Sousa multiplicou as declarações mais agressivas contra o governo “de direita”, que será preciso “travar”. Nunca tinha chegado tão longe e nunca tinha aliás apresentado a sua política de forma tão esticada – será difícil de perceber a frase sobre o seu acordo com um “governo de direita”, a não ser como uma defesa radical contra a pressão do afago primoministerial (voltarei depois a esta questão da forma como as esquerdas analisam o governo do PS e explicam o acordo que estabeleceram com ele). Mas o que o fim de semana demonstrou é que a manobra do fel e do mel cria dificuldades inúteis e transforma um governo que procura evidenciar estabilidade num fator de perturbações da sua própria aliança.
Assim, se, perante estes sinais exuberantes, o Governo decidiu voltar a uma relação de trabalho com os seus parceiros, então a entrevista é bem sucedida. Ainda está para ver se o Orçamento, que não foi trabalhado em conjunto com os parceiros por opção do Governo e que é negociado à última hora, será um compromisso razoável ou somente uma imposição prussiana.
Em todo o caso, António Costa fez bem em evitar a continuação da política da agressão, que não é útil nem esclarecedora para o presente, muito menos para o futuro. Por isso, se voltarmos a ter outros episódios desta estratégia de tensão, seria a revelação de jogo duplo e a indicação de já não se sairá em 2019 do truque eleitoralista. Não tem de ser assim e não vai ser preciso muito tempo para perceber o caminho que o Governo vai seguir.