Henrique Raposo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

O tabu: pais com Alzheimer e Parkinson

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O que fazer quando a nossa mãe deixa de ter a memória da nossa mãe?

O que fazer quando a nossa mãe deixa de ter a memória da nossa mãe?

Há um abismo entre o problema e a narrativa, entre a dor gigantesca e a sua visibilidade minúscula. As famílias que passam por esta provação são cada vez mais, mas cada uma delas sofre em silêncio; não há uma narrativa coletiva ligando os milhares de pontos da solidão. Quem tem um pai ou mãe com Alzheimer e Parkinson sofre em silêncio durante anos ou mesmo décadas. Este silêncio, repetido milhares e milhares de vezes, precisa de uma resposta moral e política. O inverno demográfico que nos espera não pode ser passado em silêncio.

Jonathan Rauch escreveu na “Atlantic” uma confissão notável sobre o tema, “Letting go of my Father”. É notável porque relata os dramas dos filhos perante este ocaso dos pais. O que fazer? Como alterar a minha vida? Devo ser eu a ajudá-lo ou devo contratar alguém? E o dinheiro? E como vencer a própria resistência dele? Este é talvez o grande obstáculo: o orgulho do idoso impede muitas vezes a melhor solução, causando um desgaste permanente nos filhos. Rauch fica à beira da depressão e do fracasso profissional.

Necessitamos da tal narrativa para a demência, algo com a força moral ou cultural do “combate ao cancro”. O inverno demográfico que nos espera não pode ser passado em silêncio

O ponto mais interessante da peça está na forma como ele percebe que está rodeado por pessoas que passam pelo mesmo problema em silêncio. Cuidar do pai demente é o centro da vida destas pessoas, mas não se fala do assunto. Rauch compara a situação com as donas de casa dos anos 50. Todas sofriam de solidão e depressão, mas ninguém falava do assunto, até que, por fim, surgiu a literatura, o cinema e a reportagem que colocaram o tema das donas de casa desesperadas e suicidárias no centro da agenda.

Para Rauch, a epidemia silenciosa do Alzheimer e do Parkinson precisa deste salto da dimensão privada para a dimensão pública, porque a magnitude do problema assim o exige. É difícil falar do tema por razões óbvias. Os filhos sentem que estão sempre a falhar. Façam o que fizerem, sentem que estão em falta. Mas, também por causa disto, necessitamos da tal narrativa para a demência, algo com a força moral ou cultural do “combate ao cancro”. O inverno demográfico que nos espera não pode ser passado em silêncio.

PS: boas férias; esta crónica regressa em setembro.