CANCRO
Sara morreu em 2013. Autoridades da saúde abriram inquérito hoje

FAMÍLIA Os pais de Sara, Maria de Fátima Silva e Mário Moreira, fotografados esta terça-feira na sua casa em Recarei, com o filho mais novo, que sofre de autismo FOTO RUI DUARTE SILVA
IGAS, ARS Norte, hospital de Penafiel e Ordem dos Médicos abriram hoje inquéritos à morte de Sara Moreira, a jovem de 19 anos que morreu depois de 11 idas às urgências. Autópsia revelou tumor de 1,6 quilos na cabeça. MP investiga desde 2013
TEXTO ISABEL PAULO e RAQUEL MOLEIRO FOTO RUI DUARTE SILVA
Sara Daniela Moreira tinha 19 anos quando a mãe a encontrou na cama, sem vida e com a televisão ligada. “Quando fui ver se estava bem — que há dois anos andava sempre preocupada com ela —, já não respirava”, conta Maria de Fátima Silva, emocionada mas contida ao recordar a noite de 10 de janeiro de 2013. “Não gosto de me chorar a ninguém, mas só eu sei o quanto me custa andar de cabeça erguida”, diz a inconformada mãe de Sara, “boa menina”, então a frequentar o 12º ano “com boas notas”, na Escola Secundária de Paredes. A autopsia revelaria um tumor na cabeça com 1,670 quilos, nunca diagnosticado nas onze idas ao Hospital de Penafiel desde o aparecimento dos primeiros sintomas.
Três anos e meio depois do óbito, há cinco entidades (quatro do Estado e ainda a Ordem dos Médicos) a investigar o que se passou. Após a autópsia, o Ministério Público abriu um inquérito-crime, que se mantém ativo. Esta segunda-feira, depois da revelação do caso pelo “Jornal de Notícias”, foram iniciados inquéritos à morte de Sara Moreira pela Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS), pela Administração Regional de Saúde (ARS) do Norte, pela Administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa e pela Ordem dos Médicos.
Foi o ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, quem pediu diretamente à IGAS “que iniciasse um processo de esclarecimento sobre o que se passou”, reconhecendo que teve conhecimento do caso apenas esta terça-feira pela comunicação social.
Em comunicado, também o conselho diretivo da ARS Norte revelou ter instaurado esta segunda-feira “um processo de inquérito” ao caso, ocorrido entre 2010 e 2013. No documento, garante que a situação nunca foi reportada ao conselho de administração do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, EPE — a que pertence o Hospital de Padre Américo —, que também mandou de “proceder à competente investigação”.
Mal teve conhecimento da notícia sobre as circunstâncias da morte de Sara Moreira, o bastonário da Ordem dos Médicos foi verificar se já existia algum processo disciplinar em curso. Não havia. “Foi imediatamente aberto. Agora vai ser solicitado o processo ao hospital para saber que médicos intervieram e como. Era uma situação óbvia de hipertensão intracraniana”, explica ao Expresso José Manuel Silva.

FOTO RUI DUARTE SILVA
Stress, ansiedade, talvez gravidez
A adolescente começara a queixar-se de dores de cabeça e mal-estar três anos antes. Fátima levou-a à urgência do Hospital Padre Américo, em Penafiel. O médico que observou Sara disse que “não era nada de grave, era stress, ansiedade com os estudos”. Meses depois, com o aumento das enxaquecas, em número e intensidade, mãe e filha voltaram a deslocar-se de casa, em Recarei, Paredes, até ao hospital de Penafiel, a cerca de 15 quilómetros. O diagnóstico foi o mesmo: ansiedade, nervosismo. “A partir daí, foi um lá e cá e das 11 vezes os médicos disseram sempre a mesma coisa.”
Aos 18 anos, Sara começou a ter desmaios e vómitos, o que levou um dos médicos a suspeitar de gravidez, teste que se revelou negativo. “Pedi que lhe fizessem exames, que vissem o que ela tinha, que não andava nada bem”, lembra Fátima. A última ida à urgência foi a 8 de janeiro de 2013, dois dias antes de morrer, sem que nunca tenha sido submetida a ressonância magnética ou TAC.
Por se tratar de uma situação de morte súbita, o Instituto de Medicina Legal determinou a realização da autópsia e comunicou o caso ao MP, que mandou instaurar um inquérito. O caso continua em investigação.
FOTO RUI DUARTE SILVA
Indemnização para o filho autista
Há cerca de três meses, os pais de Sara, cansados de esperar pelos resultados do processo-crime, recorreram a um advogado para que fosse “feita justiça”, justifica Maria de Fátima. A ação cível por alegada “negligência médica grave e grosseira” do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel em abril.
Filomena Pereira, a advogada da família, justifica a demora no inquérito com as mudanças do mapa judiciário, que levaram a que “os processos ficassem parados ou fossem transferidos de um lado para o outro”, mas também pela investigação em curso. De acordo com a representante legal, o MP pediu há um ano um parecer ao Colégio de Neurologia da zona centro, que ainda não foi apresentado. “O MP não está a ser negligente”, afirma.
Enquanto assistente do processo, a advogada dos pais de Sara, Mário Moreira e Maria de Fátima, admite a possibilidade de solicitar relatórios complementares a entidades médicas fora da área dos residentes para garantir a imparcialidade dos resultados. Sobre os factos concretos em investigação não fala, alegando que o processo se encontra em segredo de justiça.
Além de Sara, que os pais recordam como “o pilar da casa”, a família tem um filho de 12 anos, a quem foi diagnosticado autismo. Fátima, doméstica, e Mário, desempregado — trabalhou antes numa serragem de madeiras—, vivem com 400 euros mensais do Rendimento Social de Inserção e do abono do filho. “É uma vida complicada, mas mais do que dinheiro, que nunca pagará a morte da nossa filha, queremos justiça”, diz a mãe, estando a indemnização destinada “a ajudar o filho, que nem sequer tem mais a irmã para o apoiar, se um dia precisar”, lamenta. De valores, nem ela nem a advogada falam.