ANGOLA
Justiça pode rever a acusação a 15 presos políticos
PROTESTOS Polícia angolana dispersa manifestantes em solidariedade com o jornalista Rafael Marques, condenado a seis meses de prisão com pena suspensa pela publicação do livro “Diamantes de Sangue”, que as autoridades de Luanda consideraram ser uma “difamação e denúncia caluniosa” FOTO ESTELLE MAUSSION/AFP
Pressionada dentro e fora de portas, a Procuradoria Geral da República angolana poderá deixar cair a acusação de “rebelião” contra quinze jovens acusados de participação num plano visando o bloqueio das entradas e saídas de Luanda e a realização de uma grande manifestação contra o regime
TEXTO GUSTAVO COSTA, correspondente em Luanda
A Procuradoria Geral da República (PGR) de Angola poderá recuar na acusação de “crime contra a segurança do Estado, mais precisamente de rebelião”, contra quinze jovens detidos há mais de um mês, podendo agora a acusação transformar-se numa simples ameaça à ordem pública.
Segundo apurou o Expresso, este cenário está a ser ponderado pelas autoridades judiciais numa tentativa de atenuar os danos que esta situação está a causar à imagem do regime angolano, fortemente pressionado a nível interno e externo. Se se confirmar, poderá constituir um reconhecimento implícito de “excesso” por parte da PGR.
As investigações feitas pelos serviços de segurança para sustentar as detenções davam como certo o envolvimento dos jovens num plano que visava bloquear as entradas e saídas de Luanda e a realização de uma grande manifestação contra o regime — uma sucessão de ações qualificadas pela PGR como “um atentado contra o Presidente e outros órgãos de soberania”.
Com estas quinze detenções, Angola volta a ter presos políticos com ligações familiares ao regime do MPLA, algo que não acontecia desde a intentona de maio de 1977. Entre os detidos, destaca-se Luaty Beirão, filho de João Beirão (falecido), antigo curador da FESA (Fundação Eduardo dos Santos) e ex-agente da DISA (antigos serviços de segurança).
Na lista de apoiantes dos presos figuram, entre outros, o escritor Ondjaki, filho de Júlio de Almeida “Jújú”, antigo comandante das FAPLA, ex-vice-ministro dos Transportes e ex-deputado do MPLA, Kami Lara, neta do nacionalista e dirigente histórico do MPLA, Lúcio Lara, e Nástio Mosquito, filho do empresário Horácio Mosquito, o novo patrão da Soares da Costa e da Global-Media.
Na sequência das investigações, o Ministério Público validou a prisão preventiva “por inconveniência da liberdade provisória”. O ministro das Relações Exteriores, Jorge Chicoty, que recusa a existência de qualquer preso político em Angola, advertiu que o Estado jamais aceitará que se “altere a ordem constitucional”.
Acusações frágeis
Os quinze jovens terão sido surpreendidos, no bairro Vila Alice, por um dispositivo policial armado que, ao ter interditado várias ruas, segundo Walter Tondela, advogado de defesa de vários prisioneiros, apreendeu em casa de Luaty Beirão material informático e livros, que pertenciam à esposa.
A fragilidade das acusações, de acordo com o historiador Francisco Barreto, está a conferir uma visibilidade mediática ao caso que o seu impacto político está longe de justificar. “A maioria dos jovens presos, movidos por emoções, tem uma formação política muito baixa e nada justifica o susto das autoridades”, acrescenta aquele académico.
Longe de convencer a opinião pública, este processo acabou por ficar envolto em denúncias de graves atropelos à legalidade, que não param de subir de tom, em vastos sectores da sociedade angolana, que condenam a desproporcionalidade da ação repressiva das autoridades de Luanda.
Num artigo de opinião, o escritor e dramaturgo Mena Abrantes reconheceu ter sido “precipitada e exagerada a precaução das autoridades, tanto mais que não há qualquer exemplo de um movimento de resistência civil desta natureza ter alguma vez derrubado um governo sufragado pela grande maioria dos eleitores do país, como é o caso angolano”.
Também o conhecido escritor Artur Pestana “Pepetela” manifestou-se solidário com os jovens presos “até que sejam condenados por um tribunal depois de apresentadas provas irrefutáveis do que os acusam”.
Luanda dificulta acesso aos presos
Em resposta aos apelos à libertação dos 15 jovens vindos de várias partes do mundo, as autoridades angolanas não só os ignoraram como endureceram as suas posições. Depois de, na semana passada, quatro ativistas e um jornalista terem ficado retidos durante oito horas quando visitavam alguns presos, os serviços penitenciários impuseram agora restrições às visitas, que estão agora limitadas aos pais, cônjuges e filhos dos detidos.
Em sinal de protesto contra estas medidas e contra o isolamento a que passaram a estar, quatro presos encarcerados na cadeia de Caquila iniciaram uma greve de fome.
Numa carta dirigida ao diretor dos serviços penitenciários, António Fortunato, a Associação, Justiça, Paz e Democracia (AJPD) reivindicou o direito dos presos à defesa e denuncia “burocracias ilegais e inconstitucionais” que impedem os advogados de os contactar.
Os quinze jovens estão repartidos por quatro estabelecimentos prisionais. Sete estão na cadeia de Caquila, quatro em Viana e os restantes quatro em Luanda.
Todos são acusados de ter em sua posse o livro “Da Ditadura à Democracia”, de Gene Sharp, candidato ao Prémio Nobel da Paz em 2015, obra que advoga o recurso a métodos de ação não violentos contra todo o tipo de ditaduras. (PDF do livro: AQUI)
Em entrevista ao jornal on-line “Rede Angola”, este académico norte-americano considerou uma “parvoíce” a atitude das autoridades de Luanda e sustentou que “a ideia de que as pessoas pensem por si próprias e expressem as suas opiniões através de ações é algo que aterroriza os ditadores”.
A Fundação Albert Einstein, dirigida por Gene Sharp, manifestou a sua solidariedade para com os jovens detidos em Luanda e, em carta endereçada às autoridades angolanas, recomendou “ao Presidente Eduardo dos Santos a leitura da publicação ‘The Anti-Coup’ sobre como a ação não violenta pode dissuadir a realização de golpes de Estado”. (PDF de "The Anti-Coup": AQUI)
E, ao considerar que “prender adolescentes é sinal de nervosismo e de fraqueza”, o autor do livro que está agora a inquietar o poder político em Angola, conclui: "Não se alcança a paz, esmagando a dissidência”.
Rapper longe, casa escrutinada
Este está longe de ser o primeiro caso envolvendo a detenção de pessoas em Angola após manifestarem-se contra o poder instituído. A repressão aos protestos é já uma marca política do regime de Luanda.
Dionísio Casimiro, rapper conhecido por “Carbono Casimiro”, liderou as primeiras manifestações anti-governamentais em Angola no início de 2011, tendo sido condenado e preso. Depois de um ano a viver na Namíbia, e apesar de se manter afastado destes movimentos, a sua residência foi alvo de uma busca policial, há quinze dias, tendo-lhe sido apreendido numeroso material informático.
Também os ativistas do chamado Movimento Revolucionário queixam-se de estarem a ser perseguidos pelos serviços de segurança do Estado, tendo sido detidos Marcos Mavungo, Mauro Faustino e Pedro Bunga. Em Cabinda, Arão Tempo, 52 anos, advogado e presidente do Conselho Provincial da Ordem dos Advogados, esteve detido durante dois meses, acusado de sedição alegadamente por se deslocar à República do Congo para receber jornalistas para cobrir uma manifestação de protesto.
O jurista, que recusa ser associado à Frente para a Libertação do Enclave de Cabinda (FLEC), alega que se fazia acompanhar de um cliente que pretendia tratar, em Ponta Negra, da cessação da sua quota numa sociedade detida também por um empresário congolês. Libertado em maio, Arão Tempo, está impedido de participar em reuniões e de fazer declarações públicas.