A guerra tem de ser denunciada

TEXTO JOANA BELEZA

Antes de começar a ler, olhe à volta, procure um relógio e veja as horas. O Expresso Diário pode esperar uns segundos, um minuto, o tempo que for preciso.

Já viu as horas? Pois fica a saber que morreu alguém.

Agora uma pausa.

Morreu mais alguém.

As estatísticas dizem-nos que a cada minuto que passa morrem cerca de 100 pessoas na Terra, perto de duas por segundo, e é muito provável que pelo menos uma delas morra por esta altura na Síria - dizemos nós.

Sim, vamos falar da Síria, mas não fuja já. Este texto precisa de si, do seu tempo.

Estamos a 1 de março de 2018. Há oito dias, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, pediu a “suspensão imediata” de “todas as atividades de guerra” em Ghouta Oriental, o enclave da oposição síria nos arredores da capital do país, Damasco:

“Ghouta não pode esperar. É tempo de acabar com este inferno na Terra”.

A guerra na Síria começou há seis anos, 11 meses e 15 dias. Faz sete anos redondos a 15 de março de 2018. E sete anos são 84 meses, 365 semanas, 2 558 dias, mais de 62 mil horas. É muito tempo de guerra. São muitos meses, imensas semanas, enormes dias, lentíssimas horas de guerra.

Quanto tempo dura uma hora na guerra? Provavelmente, uma eternidade.

Já agora, sabe quanto tempo leva de Damasco a Ghouta? Mais ou menos 30 minutos de carro. Já de Lisboa são quase três dias, mas, se for de avião, demora menos.

De facto, o tempo é relativo. O tempo é o que cada um quiser fazer dele.

Segundo a Rede Síria para os Direitos Humanos, em 2017 morreram 10.204 civis na guerra na Síria. CIVIS. Voltamos a escrever: CIVIS. Desses, 2.298 eram crianças.

Mas o que vale escrever esses números? 2017 já lá vai, passado é passado.

Avancemos números mais recentes. A 25 de fevereiro de 2018, precisamente há quatro dias, morreram 35 civis, entre eles 10 crianças. Um dia antes, a 24, foram contabilizados 33 civis, entre eles sete crianças. A 22 de fevereiro, 43 civis, cinco crianças. Dia 21 de fevereiro, 38 civis, sete crianças. 19 de fevereiro, 60 civis…

Podia continuar, mas não quero ocupar mais tempo.

A guerra na Síria começou há quase sete anos e o cerco de Ghouta oriental existe desde maio de 2013, o que já lhe valeu ter batido todos os recordes temporais da história de cercos em guerras recentes.

Quanto tempo dura um ano na guerra? Provavelmente, uma eternidade.

A meia hora de Ghouta existe Damasco e em Damasco a realidade é muito diferente. No local onde você está a ler estas palavras, com certeza longe de Damasco, a realidade é também com certeza muito diferente.

O tempo é relativo. Mas, num país em guerra, é sempre tarde, é sempre triste, é sempre lento. O tempo, em tempo de guerra, é absurdo e não pode ser ignorado.

A guerra tem de ser denunciada.

Este Expresso Diário é todo sobre a Síria e é uma edição gratuita. O leitor pode fugir e ignorar ou pode ficar e ler. Faça o que quiser com o seu tempo.

A cada momento morre uma pessoa em Ghouta oriental. Pelo absurdo da guerra, fica sem tempo na Terra. E já não é cedo para falarmos a sério sobre isto.