Francisco Grandella, o comerciante revolucionário

O comércio levou uma reviravolta quando este moço de fretes se tornou empresário, e com ele também ganhou a causa republicana e o povo de Lisboa, sobretudo. Os Armazéns Grandella são a sua imagem de marca, ainda hoje viva. Personagens famosas no seu tempo e praticamente esquecidas, umas menos outras mais, é do que trata esta rubrica de pequenas biografias

Texto Anabela Natário Ilustração João Carlos Santos

Nascido numa família numerosa, remediada, provinciana, há de tornar-se num rico comerciante, republicano influente, maçon, benemérito e folgazão. Sabia e gostava de ganhar dinheiro, mas cultivava um sentimento patriótico que o levou a financiar a revolução de 5 de outubro de 1910 e a pôr o seu património ao serviço do Estado.

Com 11 anos e a instrução primária feita, Francisco chegou a Lisboa oriundo de Aveiras de Cima, concelho de Azambuja, onde nascera no dia 23 de julho de 1853, filho do médico Francisco Maria de Almeida Grandella, lisboeta que ali encontrara o amor da sua vida, Matilde Doroteia de Barros, com quem teve sete filhos.

Francisco de Almeida Grandella saiu da terra natal para substituir o irmão Eduardo, mais velho dois anos e atacado por uma doença incurável. No dia seguinte, chorava de saudades… Mas a prima Miquelina, em casa de quem ficara as primeiras noites, animou-o e 15 dias depois escrevia ao pai contando “estar muito contente”.

Começou como marçano numa loja de fazendas. Ao fim de três anos, o patrão vendeu o estabelecimento com o moço de fretes incluído e o pai Grandela não gostou, mandando o filho regressar à terra, onde ficaria por um ano a aprender francês, julgando-se “sem nenhuma inclinação” para a vida comercial.

A família, porém, precisava de ajuda. Francisco voltou à capital para trabalhar numa casa de vinhos. Passados quatro anos, mudou-se para uma “loja de fazendas, camisaria e outras modas”, onde se manteve oito ou nove anos, até dar uns bofetões num marçano que lhe faltou ao respeito.

O rapaz era parente da mulher do patrão, Francisco levou uma descompostura e… despediu-se. Tinha 26 anos. Entretanto, escrevia para “O Domingo”, órgão dos caixeiros portugueses, e o “Federação Comercial”, dos empregados do comércio, em defesa do direito ao descanso semanal aos domingos, ideal que respeitará quando se tornar comerciante.

A dada altura, Francisco da Conceição Silva, sócio num armazém de farinhas e fábrica de bolachas, incentivou-o a ficar com um estanco. Havia que pagar 100 mil réis pelo trespasse e 150 de seis meses de renda… não dava. O amigo emprestou-lhe o dinheiro. Não se arrependeu, três meses depois reavia-o.

O jovem Grandella abriu as “Fazendas Baratas”, uma lojita, pouco maior do que um armário de repartição pública, como o próprio dirá. Todavia, deitavam para a rua duas montras, que mantinha “sempre muito bem armadas”, com artigos baratíssimos e preços marcados. Assim, rompeu o habitual sistema de regateio entre vendedor e freguês. Tinha dois empregados: um marçano e o seu irmão mais novo, o Luís, com quem fará a Grandella & C.ª. No primeiro ano, obteve logo um bom lucro.

“A minha orientação era lutar até à última. Se vencesses, vencia. Se não vencesse, dava um tiro nos miolos, para que ninguém formasse maus juízos a meu respeito”, recorda no livro “O Assalto”, em que conta uma boa parte da sua vida.

Em 1881, tomou um espaço maior no Rossio e abriu a Loja do Povo. A fim de espalhar a notícia, contratou um homem para andar pelas ruas; vestiu-lhe uma farda parecida com a da guarda inglesa, e pôs-lhe uma faixa com o nome da loja, o que atraiu muita clientela.

Três anos depois, contava com mais uma loja, a Novo Mundo, com “artigos mais finos e de maior preço”, além da fábrica de tecidos na quinta que adquirira em Benfica e onde se instalara em 1874, com a mãe e a irmã Amélia e construirá um bairro operário, em 1910, para alojar os seus trabalhadores.

Francisco dava-se com “boémios eméritos”, aristocratas e plebeus. O seu modo de vida, dizia, era “um tanto ou quanto livre, sem preconceitos”. Em 1884, fundou a Sociedade dos Makavenkos, com mais 12 amigos adoradores de conspirações e patuscadas, deixando para a posterioridade o livro das receitas que deliciavam esse grupo secreto.

Em 1890, comprou um prédio de dois andares na baixa. A primeira ideia era fazer uma sucursal dos armazéns Printemps, que visitara em Paris, daí que contratasse o mesmo arquiteto, Georges Demay, para conceber a planta e a fachada.

Um ano depois, inaugurou os Armazéns Grandella, com uma grande festa no belo edifício de arte nova, com portas nas ruas do Ouro e do Carmo. O êxito foi enorme e os lucros também. O prédio ficará destruído no incêndio de 1988, que quase reduziu a cinzas o Chiado. Será reconstruído e reaberto em 1996.

Em 1910, era um homem riquíssimo. Financiou a revolução que acabou com a monarquia em Portugal e ofereceu o seu património imóvel, avaliado em cinco mil e 600 milhões de réis, para ser dado como garantia, caso o Estado precisasse de contrair um empréstimo.

Nunca se casou. No entanto, proporcionava casa e mesada às mães dos seus cinco filhos… E destes, escolherá Luís para sucessor. A decisão valeu-lhe um processo por prodigalidade: os filhos despeitados — Francisco, Eduardo, Matilde e Maria Justina — acusam-no de desvio de fundos, de despesismo e de um patriotismo doentio, revelado, por exemplo, quando se recusou a aumentar os preços durante a I Guerra Mundial.

Em 1924, o processo terminará a seu favor. “O desgosto, porém, porque passei, ninguém mo tira”, escreveu, mas acabará por doar aos filhos todos os bens.

Francisco de Almeida Grandella, então septuagenário, recolheu-se no palácio que construíra na sua amada Foz do Arelho. Morrerá com 81 anos, em 20 de setembro de 1934.