Em destaque Web Summit

Estado não usou a pandemia para negociar custos

Contrato permite dispensa de pagamentos e indemnizações, mas Câmara de Lisboa e Governo não invocaram pandemia

Hugo Séneca

O Estado português não invocou as alíneas do contrato assinado em 2018 com a Connected Intelligence Limited (CIL) para reduzir os custos da realização da Web Summit de 2020, que vai decorrer em formato digital entre 2 e 4 de dezembro, devido aos confinamentos e limitações de viagens provocados pela pandemia.

Paddy Cosgrave, fundador da Web Summit e líder da CIL, confirmou que o pagamento foi feito sem descontos, ainda antes de Fernando Medina, presidente da Câmara de Lisboa, assumir que o município tinha pago a totalidade do valor. Na reunião da Câmara Municipal de quarta-feira, Medina justificou essa decisão com a importância estratégica do evento.

De acordo com o contrato, a Câmara de Lisboa paga €3 milhões por ano à CIL para a realização da Web Summit em Lisboa. IAPMEI, AICEP e Turismo de Portugal, que são tutelados pelo Ministério da Economia, assumem a verba restante que compõe o total de €11 milhões.

Apesar de questionado mais do que uma vez pelo Expresso, o Ministério da Economia nunca referiu se renegociou ou não a fatura da Web Summit, devido ao facto de a edição de 2020 se realizar em formato digital.

Segundo Paddy Cosgrave, os €11 milhões correspondem apenas a parte dos custos assumidos pelo Estado português. O empresário irlandês garante que, numa situação normal, o erário público teria gasto €24,5 milhões, se somados outros encargos. O contrato e respetivos anexos revelam que o Estado assume os encargos do aluguer da FIL, comunicações wi-fi, um festival gastronómico, 27 ‘receções’ de 200 ou 300 pessoas, uma campanha promocional de €500 mil, entre outras obrigações.

“Esta é a Web Summit mais cara que alguma vez realizámos”, garante Paddy Cosgrave ao Expresso numa alusão ao retorno entre receitas e investimento da CIL na edição de 2020. O empresário irlandês admite que, perante um hipotético cancelamento, chegou a ser equacionada a possibilidade de levar a mostra tecnológica para o sudeste asiático. A realização do evento na versão convencional só foi abandonada no início de outubro, diz.

Força maior

O contrato com a CIL refere a possibilidade de suspensão da Web Summit em cenários de “força maior”. O contrato dispensa o Estado português e o município de Lisboa de pagar qualquer custo ou indemnização à empresa organizadora em cenários de pandemia. Há também uma cláusula que obriga a CIL a ressarcir as entidades nacionais, caso não consiga realizar o evento como contratualizado. E foram estas cláusulas que levaram João Gonçalves Pereira, deputado do CDS, a apresentar uma questão formal ao Governo na Assembleia da República.

O deputado e vereador centrista questiona os €11 milhões pagos pelo Estado e o retorno que terá um evento digital. Gonçalves Pereira compara os €11 milhões pagos à CIL com os €20 milhões que o município de Lisboa vai distribuir pelas 8 mil empresas afetadas pela pandemia e diz haver “dois pesos e duas medidas”. “O contrato não obriga ao pagamento dos €11 milhões (para a edição de 2020)”, defende.

Na oposição ao presidente da Câmara, a questão não é consensual: “As despesas em relação à realização do evento estão contratualizadas e não há razão para não as pagar”, explica João Pedro Costa, vereador do PSD. “A capacidade para alavancar start­ups e promover a cidade não é menor num evento online”, acrescenta.

Pelo contrário, Sofia Vala Rocha, vereadora suplente do PSD na Câmara de Lisboa, é mais crítica: “Que sentido faz investir €11 milhões num evento que não vai encher restaurantes nem hotéis?”

A questão do retorno permanece uma das maiores incógnitas da edição de 2020. Em 2019, o Ministério da Economia avançou com a estimativa de que o retorno do evento deveria rondar os €180 milhões, mas este ano não forneceu o estudo coordenado por João Cerejeira, da Universidade do Minho.