INVESTIGAÇÃO

Álvaro Sobrinho foi perdoado por José Eduardo dos Santos

Fuga de informação revela acerto de contas feito em 2015 numa reunião com o general Dino, alegado testa de ferro do ex-Presidente de Angola, sobre créditos fraudulentos concedidos quando Sobrinho era CEO do banco

Micael Pereira

Álvaro Sobrinho foi CEO do BESA entre 2001 e o final de 2012. Hoje tem o seu próprio banco em Angola FOTO LUÍS BARRA

Álvaro Sobrinho foi CEO do BESA entre 2001 e o final de 2012. Hoje tem o seu próprio banco em Angola FOTO LUÍS BARRA

A 16 abril de 2015 houve uma reunião secreta decisiva em Luanda entre Álvaro Sobrinho e Leopoldino Fragoso do Nascimento, mais conhecido por general Dino, um antigo chefe de comunicações da Presidência da República de Angola que tem sido identificado ao longo dos anos por múltiplas fontes como testa de ferro dos interesses privados do ex-Presidente José Eduardo dos Santos e da sua família. Ocorrido numa altura em que o BESA (Banco Espírito Santo Angola) já tinha mudado o nome para Banco Económico, passando a ter como maior acionista a petrolífera estatal Sonangol, o encontro serviu para o general Dino aceitar em nome do banco a anulação das dívidas de cinco misteriosas empresas angolanas contraídas quando Sobrinho era o seu CEO.

De acordo com a ata dessa reunião, encontrada numa fuga de informação obtida pela revista alemã “Der Spiegel” e partilhada com o consórcio European Investigative Collaborations (EIC), de que o Expresso faz parte, tratou-se de um acerto de contas em que o general Dino se comportou como o homem-forte do BESA, embora esse papel não correspondesse a nenhum cargo ocupado por ele nos seus órgãos sociais ou pudesse ser justificada, formalmente, pela composição acionista do banco.

O general Dino aceitou anular as dívidas de cinco entidades misteriosas que receberam 1,6 mil milhões do BESA

As cinco misteriosas entidades em causa — Socidesa, Govest, Saímo, Cross Fundo e Vaningo — tinham sido beneficiadas com empréstimos e transferências irregulares do BESA no montante de 1,6 mil milhões de euros. Desse bolo, mais de 600 milhões de dólares tiveram como destinatários finais Álvaro Sobrinho e a família, num esquema que envolveu operações de levantamentos e depósitos em dinheiro vivo, de forma a não deixar rasto sobre a sua origem.

Em paralelo com o colapso em Lisboa do BES em 2014, em parte devido a um buraco global de 5,7 mil milhões de dólares descoberto no BESA, e a decisão do Banco de Portugal em criar um fundo de resolução para injetar dinheiro na instituição (atual Novo Banco), a sua subsidiária em Luanda também viu o Banco Nacional de Angola entrar em cena.

Em outubro desse ano o BESA aprovava um aumento de capital que levou à redução do peso do BES de 55,71% para 9,72% (e a que fosse rasgada unilateralmente a dívida de três mil milhões de euros do banco ao BES) e ao surgimento de uma posição de 39,4% detida pela Sonangol. Enquanto isso, uma companhia de nome Geni, representada pelo general Dino (e com a qual Isabel dos Santos tem garantido o controlo da Unitel, a maior operadora de telecomunicações angolana), manteve-se com os 19,9% que tinha antes. A entrada da Sonangol significou uma nacionalização do BESA, embora de modo indireto, fazendo com que na prática o general estivesse a representar o Estado angolano no encontro com Sobrinho, algo difícil de acontecer sem o aval do Presidente.

Tudo a fingir

O general Dino concordou que o BESA aceitasse a entrega por parte de Sobrinho das “ações representativas da totalidade do capital social” das sociedades Cross Fund, Govest e Socidesa (sendo que a Saímo e a Vaningo estavam ligadas à Cross Fund e à Govest através de cedências de posição relativamente aos empréstimos), depois de o banqueiro ter explicado que aquelas empresas no fundo pertenciam ao banco. Segundo a ata da reunião, essas misteriosas entidades eram apenas sociedades instrumentais e “terão sido criadas por elementos do Grupo Espírito Santo com a intenção de servir de veículo de financiamento da Escom” — o braço não-financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) em Angola.

“Dessa forma”, lê-se na ata, “o BESA financiaria a Escom mediante a concessão de empréstimos para aquisição das ditas torres [imóveis Sky] a intermediários com aparentes interesses próprios”. Isto é, seriam sociedades usadas para dar a ideia que nada tinham a ver com o GES e, através da compra de imóveis à Escom por montantes avultados, aliviar o seu passivo, em virtude da sua “exposição creditícia”, “ultrapassando os limites prudenciais dos grandes riscos”.

Simplificando: a Escom tinha investido muito dinheiro em Angola com base em financiamentos obtidos no BESA e encontrava-se em maus lençóis, não sendo certo que conseguisse pagar de volta esses empréstimos. O seu passivo pesava nas contas cada vez mais complicadas da Rioforte, holding não-financeira do GES, e, além disso, os empréstimos concedidos pelo BESA teriam de ser declarados obrigatoriamente como imparidades do banco. As perdas iriam ter um efeito multiplicador e disparar o alarme. As cinco misteriosas entidades teriam servido assim para esconder a realidade de forma artificial, fazendo crer que tudo estava bem.

Segundo Sobrinho, eram sociedades instrumentais usadas pelo banco para camuflar o passivo da Escom

Confrontado por escrito, Álvaro Sobrinho não respondeu às questões do Expresso. O jornal também tentou obter uma reação do Banco Económico, sem sucesso.

Com a entrega das sociedades instrumentais, ficou decidido também na reunião de abril de 2015 que as dívidas teriam de ser reclamadas pelo banco diretamente à Escom — e que isso devia passar pela transmissão ao banco da propriedade dos imóveis das torres Sky que tinham sido objeto de contratos-promessa de compra e venda com a Socidesa e as outras empresas-fantasmas.

A ata encontrada na fuga de informação do EIC revela ainda que depois de ter sido forçado a sair de CEO do BESA no final de 2012, Álvaro Sobrinho alugou ao banco um apartamento T4 no 22º andar no Edifício Escom, por um prazo de 3 anos, para ser ocupado pelo seu sucessor no banco, Rui Guerra, pelo valor de 45 mil dólares por mês, mas as rendas não estavam a ser pagas. Em abril de 2015, Sobrinho contabilizou 995 mil dólares de pagamentos em falta relativos a esse apartamento, a que juntou rendas atrasadas de 151 mil euros por mês de um espaço ocupado em dezembro de 2013 por uma agência do BESA.

O general Dino não só aceitou pagar essas rendas em atraso, como concordou em entregar-lhe vários pisos de escritórios, lojas e lugares de estacionamento nas Torres Oceano que uma empresa de Sobrinho, Investleader, comprara a um fundo de investimento imobiliário fechado do BESA em novembro de 2012.

Cinco entidades suspeitas incluíam companhia detida a meias por Hélder Bataglia

Presidente da Escom era sócio de Sobrinho numa das empresas-fantasmas que sacaram 1,6 mil milhões ao BESA

Uma das cinco empresas identificadas em outubro de 2013 pelo CEO que sucedeu a Álvaro Sobrinho à frente do BESA (Banco Espírito Santo Angola) como tendo recebido um total de 1,6 mil milhões de dólares em empréstimos e transferências irregulares (apesar de os seus beneficiários efetivos não constarem nos arquivos do banco), foi criada em 2009 pelo próprio Sobrinho e por Hélder Bataglia, o empresário que estava à frente da Escom, o braço não-financeiro do Grupo Espírito Santo (GES) em Angola, e que era, além disso, administrador do BESA.

De acordo com uma fuga de informação obtida pela revista alemã “Der Spiegel” e partilhada com o consórcio European Investigative Collaborations (EIC), de que o Expresso faz parte, uma certidão da Conservatória do Registo Comercial de Luanda mostra que a Saímo foi criada a 9 de setembro de 2010 tendo como donos, com partes iguais, duas empresas: a Ocean Private, Lda e a Margest — Consultoria e Gestão, Lda. Por sua vez, a Ocean Private era detida por Álvaro Sobrinho através de uma companhia offshore, a Jayhill. Já a Margest foi identificada pelo Ministério Público português, no âmbito do processo-crime Monte Branco, como pertencendo a Hélder Bataglia.

Na certidão comercial mais antiga da Saímo encontrada na fuga de informação, a empresa tinha dois gerentes nomeados: Miguel Bataglia, sobrinho de Hélder Bataglia, e Manuel Afonso-Dias, cunhado de Sobrinho e o principal gestor dos negócios privados do banqueiro.

Um nome atrás do outro

Um ano depois, a 9 de setembro de 2011, foi formalmente pedido por Manuel Afonso-Dias, em nome da Saímo, um empréstimo de 120 milhões de dólares ao BESA para “a aquisição de um imóvel”. Nessa altura, a Ocean Private e a Margest já tinham reduzido as suas quotas para 0,3% do capital social da empresa, cedendo os outros 97,7% a uma sociedade de nome Investcontrol, Lda.

Segundo a fuga de informação do EIC, essa nova sociedade era também detida pelo banqueiro e por Hélder Bataglia, com vários e-mails trocados sobre o assunto. Incluindo um enviado pelo cunhado de Sobrinho ao presidente da Escom a 15 de agosto de 2012. “Caro Hélder, combinámos manter a InvestControl ativa, apenas a suportar os vencimentos e despesas extra do Miguel [Bataglia], até ao fim deste ano. Para isso, a Margest injetou suprimentos [empréstimos concedidos a uma empresa pelos seus acionistas] na InvestControl para dotar a sua conta dos valores necessários. Temos, depois, que a encerrar, no seguimento do encerramento da Saímo.”

Confrontado pelo Expresso, Bataglia respondeu através do seu advogado, Rui Patrício, que disse que o seu cliente “não pretende fazer por ora quaisquer comentários públicos” e que “os esclarecimentos que estão ao seu alcance prestar sempre os prestou, tranquila e objetivamente, quando solicitado pelas autoridades”, sendo que está sujeito “à reserva” dos processos-crime que estão em curso sobre estas “matérias”.

Os créditos concedidos pelo BESA à Saímo foram mais tarde transferidos para outra sociedade, uma empresa-fantasma de nome Cross Fund, que foi criada de propósito para esse fim a 19 de dezembro de 2011, na mesma morada da Saímo e quando Sobrinho estava prestes a deixar o cargo de CEO do banco. A Cross Fund foi constituída com ações ao portador (isto é, sem que os nomes dos seus acionistas fossem declarados) tendo como administrador único Gilberto Gonçalves, um cidadão angolano que há vários anos atuava como testa de ferro nas empresas de Sobrinho e da sua família, os Madaleno. Gilberto Gonçalves também se tornou administrador único da Vaningo e procurador da Socidesa e da Govest, outras três sociedades envolvidas nos 1,6 mil milhões de dólares de empréstimos e transferências irregulares. Todas elas eram detidas através de ações ao portador, que estiveram guardadas ao cuidado de Afonso-Dias até 2015. M.P.

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