ESTUDOS DE OPINIÃO
Para acertar mais é preciso gastar mais
Sondagens melhores implicam abrir cordões à bolsa
Credibilidade Depois do falhanço das previsões nas legislativas no Reino Unido, pode continuar-se a confiar nas sondagens? Especialistas e políticos ouvidos pelo Expresso dividem-se
Texto Bernardo Ferrão e Cristina Figueiredo
O CDS é um dos partidos que se pode queixar”: sistematicamente, as sondagens atribuem-lhe menor número de votos do que os que acaba por conquistar nas urnas. A constatação parte do insuspeito António Vitorino. Paulo Portas não podia estar mais de acordo: “Basta ser atento para perceber que as sondagens desvalorizam repetidamente o CDS. Aprendemos a defender-nos disso e a nossa gente já quase não liga, como quem diz ‘espera pelas eleições e verás’”. As eleições na Madeira, em março, foram o último exemplo (ver caixa), mas o líder do CDS lembra-se de outros casos, com outros partidos: “Não tenho dúvidas de que há eleitores influenciáveis. Em 2011 surgiu na última semana uma sondagem que dava PS e PSD empatados. Um delírio porque o PSD ficou 10 pontos à frente! Obviamente, houve eleitores que acreditaram e foram ‘socorrer’ o PSD com receio de um empate que era pura ficção”.
O que justifica estes desvios entre os estudos de opinião e a realidade? Os responsáveis das empresas de sondagens têm a resposta na ponta da língua: “Não acho que as sondagens falhem, porque aquilo é uma previsão, não é uma definição de um resultado”, diz Rui Oliveira e Costa, diretor da Eurosondagem. E vai buscar, nem mais, o exemplo do CDS na Madeira: “Houve uma diferença de 1,2%. Em nenhum país do mundo 1,2% é um erro. Foi antes uma evolução no voto, a sondagem tinha sido publicada dez dias antes”. Jorge Sá, da Aximage, corrobora. Lembra que a sondagem se limita a medir opiniões, que são mutáveis: “La donna è mobile”.
Os estudos de opinião não são verdades absolutas, alerta Pedro Magalhães, ex-responsável pelo Centro de Sondagens da Católica: “Só podemos confiar se antes tivermos noção de todas as suas falhas. Temos uma leitura acrítica dos resultados, quando devíamos ser céticos e críticos”. E que falhas são essas? António Vitorino não tem dúvidas de que as taxas de abstenção muito elevadas prejudicam a fiabilidade dos estudos de opinião, que as não conseguem aferir. “Devia haver mais expertees sobre abstenção nas empresas de sondagens”, sugere. Jorge Sá introduz a questão dos pequenos partidos e reconhece que também perturbam, porque aumentam as margens de erro. E numa altura em que há mais de 20 partidos inscritos para as próximas legislativas, é uma dificuldade acrescida: “O entrevistador diz o nome dos partidos e a pessoa chega ao sétimo e já não se lembra do nome do primeiro”, alega Rui Oliveira e Costa.
O telefone fixo é um problema?
E tudo isto ainda é feito com recurso ao telefone fixo. Para Pedro Magalhães, o aparente anacronismo não é assim tão relevante: “Nos EUA, haver sondagens feitas só através de telefone fixo não traz uma grande distorção; no caso português, os poucos estudos feitos neste campo mostram que faz alguma, mas não é grande”. É uma questão eterna que Oliveira e Costa reconhece que “só se resolve no dia em que houver uma lista de telemóveis com base residencial. De outra forma, eu posso ligar para quinhentos telemóveis que não sei se estão no Algarve ou no Minho e a estratificação por região é fundamental”.
“Devemos ser o único mercado em que os erros científicos e as falhas técnicas são totalmente desregulados”
O grande busílis da questão está na falta de investimento. A verdade é que ninguém está disposto a gastar muito dinheiro por melhores e mais consistentes previsões. Para sondagens menos frágeis seria preciso fazer inquéritos de manhã, à tarde e à noite. Em Portugal fazem-se quase sempre nos períodos do dia em que há mais inativos (ou gente jovem) em casa. Jorge Sá reconhece que “é preciso fazer mais entrevistas”, mas que “o mercado não paga uma perspetiva mais científica da amostra de modo a diminuir os erros probabilísticos”. Algumas das soluções avançadas ao Expresso passam pela necessidade de uma validação dos telefonemas feitos, questionários com mais perguntas , de forma a conseguir detetar a mentira.
Outra questão fundamental é perceber o histórico eleitoral do entrevistado: “A variável que mais condiciona o futuro é o voto anterior”, reconhece Jorge Sá. Vitorino também alerta para o problema do histórico mas de outro ângulo: o facto de as empresas continuarem a redistribuir os que não sabem/não respondem de acordo com o comportamento do eleitorado nas eleições anteriores parece-lhe “falível”. “O histórico nem sempre é reproduzível”, justifica.
Ainda há mais um problema, segundo Pedro Magalhães: “À medida que nos aproximamos do dia das eleições, as sondagens começam todas a convergir. Há uma parte compreensível: as intenções de voto vão cristalizando; mas há outra menos explicável. O meu receio é que as empresas olhem umas para as outras e deem os resultados mais plausíveis. Há uma espécie de espírito de rebanho e isso é muito preocupante”.
Sondagens só antes das campanhas
Que o digam os políticos. Rui Rio é um caso flagrante. Na campanha para a Câmara Municipal do Porto, em 2001, o máximo que as sondagens lhe deram foi pouco mais de 20%, mas nas urnas conseguiu mais de 40%. O ex-autarca considera que neste caso não houve “habilidades” porque estava tudo convencido de que Fernando Gomes ia esmagar. No entanto, não tem dúvidas “que há sondagens manipuladas. Põe-se alguém em alta para depois o pôr a descer e assim criar uma tendência de subida para o adversário”. Defende mesmo que não se deveriam publicar sondagens durante o período de campanha eleitoral. Portas diz que o que o impressiona “é que não haja juízo crítico dos clientes das sondagens sobre os erros das sondagens. Deve ser o único mercado em que os erros científicos e as falhas técnicas são totalmente desregulados. No Reino Unido (ver texto ao lado), os erros e as falhas vão a escrutínio de uma entidade independente”. Vitorino não acha assim tão determinante haver aqui autorregulação como a dos britânicos: “Não acredito que haja manipulação”, diz, mas reconhece que haveria vantagens em existir mais prestação de contas sobre os critérios utilizados. A discussão não é nova mas, já diz o povo, só nos lembramos de Santa Bárbara quando troveja.
O exemplo inglês: aprender com os erros
“What went wrong” nas legislativas no Reino Unido? As empresas de sondagens são as primeiras a querer saber
O clamoroso falhanço das empresas de sondagens britânicas não é inédito. Já em 1992 elas se tinham enganado redondamente: até ao dia das eleições, deram sempre a vitória ao Partido Trabalhista, então liderado por Neil Kinnock; mas o vencedor foi o conservador John Major que, ainda por cima, alcançou a maior votação de sempre de um partido no Reino Unido (41,9%). Já nessa altura o British Polling Council (entidade independente que regula os estudos de opinião) estudou exaustivamente os resultados em bruto das sondagens feitas antes das eleições para perceber o que tinha falhado.
Na sequência do estudo, alterou-se o método de amostragem utilizado — até aí recorria-se a amostras por quotas, a partir daí passaram a ser aleatórias. A investigação constatou ainda que uma larga percentagem de inquiridos não assumira ir votar conservador (os chamados “shy tories” — conservadores envergonhados) e, depois disso, os estudos de opinião começaram a ponderar esses “desvios” nos resultados finais.
Também o que aconteceu na semana passada vai ser dissecado até ao último pormenor. “Em Inglaterra e nos EUA há uma tradição muito saudável das empresas de sondagens estarem associadas a entidades de autorregulação”, elogia Pedro Magalhães, que gostaria de ver o mesmo por cá. E até que haja conclusões do estudo, o investigador do Instituto de Ciências Sociais e antigo diretor do Centro de Estudos e Sondagens da Universidade Católica entende que “é insensato” avançar com explicações cabais sobre o que se passou. Seja qual for o resultado da investigação, porém, está seguro de que nada vai ficar como dantes: “A partir daqui vai ser muito difícil antecipar resultados eleitorais no Reino Unido sem se gastar muito mais dinheiro e investir muitos mais recursos”, prevê ao Expresso.
“Não se avizinham tempos fáceis para a indústria de sondagens”, admite Nate Silver, fundador e diretor do ‘Five Thirty Eight’, um conceituado site norte-americano de estatísticas. Num texto de análise das legislativas britânicas, o especialista acaba por chegar a uma conclusão preocupante: “É cada vez mais difícil encontrar uma eleição onde as sondagens se tenham saído bem”, afirma. E aponta como um dos maiores pontos frágeis da indústria: os eleitores serem cada vez mais difíceis de encontrar, sobretudo através de telefone fixo. O facto de haver cada vez mais sondagens online não o tranquiliza: as amostras, muitas vezes, não são aleatórias e sem amostras aleatórias não há estudos de opinião credíveis, alerta. C.F.
PS cresce (pouco) no mês da coligação. Não há maioria à vista
Nem a coligação chega lá. Nem o PS. A avaliar pelos resultados deste estudo da Eurosondagem, a maioria absoluta é uma impossibilidade. No mês em que PSD/CDS anunciaram que correm juntos para as legislativas e em que Passos Coelho desenterrou o episódio do irrevogável — revelando que Paulo Portas se demitiu por SMS —, a coligação cai nas intenções de voto. Fica com 33,6%, menos 1,1% face ao último barómetro. Um resultado que se converte em 97 (média) mandatos. Já o PS, e depois de conhecido o cenário macroeconómico e o polémico SMS de António Costa para um jornalista do Expresso, regista uma subida no seu score eleitoral. O partido de Costa tem agora 38,1%, mais 0,6%, o que corresponde a uma média de 103 lugares no Parlamento. A coligação e o PS estão agora afastados por 4,5%. Ou seja, o cenário que temos pela frente é o da total indefinição. Longe da maioria. Se à direita a coligação está a 19 deputados dos 116, à esquerda a única hipótese de maioria, altamente improvável, diga-se, seria um Governo PS/CDU que somaria 124 lugares no Parlamento. Noutro cenário que juntasse PS/BE/Livre e PDR, Costa também não atingia um número maioritário de mandatos. Ficava com 112. Com base neste estudo, se estes fossem os resultados das legislativas, a única solução de Governo com maioria teria de passar por um bloco central PS/PSD. Ou por um Executivo PS com o CDS, se este tiver número suficiente de deputados para essa solução. É preciso lembrar que o acordo de coligação se desfaz no caso de derrota e que Portas garantiu no acordo com o PSD a proporcionalidade dos resultados de 2011. O que lhe pode dar peso político para saltar de uma coligação à direita para um Governo com o PS. Mas será que o faz? E o PS? Aceitaria? Cenários à parte, e não havendo bloco central, há pelo menos uma certeza: Cavaco Silva só dará posse a um governo minoritário se os partidos garantirem acordos no Parlamento que assegurem a tal “solução governativa sólida estável e coerente”. Se os tempos que correm são confusos. O pós-legislativas será muito mais.
Outro dado surpreendente desta sondagem prende-se com o aparecimento de novos partidos. E o que que acham os portugueses? A maioria acha positivo que surjam. Desde que não tenham de votar neles. É que 56,3% dizem que não estãodisponíveis para... arriscar? Bernardo Ferrão