RICARDO COSTA

A próxima greve dos professores, médicos ou transportes está comprometida? Claro que não

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Não há qualquer dúvida de que o Governo usou uma interpretação extensiva do conceito de emergência nacional para confinar os efeitos da greve dos motoristas de matérias perigosas. Na minha opinião, como escrevi no Expresso no último sábado, o Executivo fez o que qualquer governo faria face aos efeitos potenciais que uma greve destas, de tempo indeterminado, teria no país todo. Os cenários de caos não eram difíceis de imaginar a partir do que aconteceu na greve de abril.

Analisar as medidas tomadas agora sem ter em conta a surpresa do que aconteceu antes da Páscoa não tem nenhum sentido. Aquela semana de abril serviu de lição para todos: Governo, motoristas e cidadãos em geral. Todos se prepararam para o que aí vinha, com as armas que tinham. Uns foram encher os depósitos, outros preparam a greve, outros muniram-se de todas as armas legais ao dispor.

Não tenho qualquer dúvida em responder à questão sobre o futuro das greves: vão continuar a ser exatamente o que eram, e as evocações históricas que agora surgem são tão esticadas quanto erradas

O processo montado pelo Estado, que redundou num controlo eficaz dos efeitos potenciais desta greve, levantou – e ainda levanta – questões muito mais vastas sobre o direito à greve, defendendo muitos que se quebraram princípios jurídicos importantes. Alguns acham mesmo que as greves nunca mais vão ser o que eram, com recordações de Tatcher e os mineiros ou do nosso “racha sindicalistas” Afonso Costa.

Não entro na discussão jurídica, que deve ser feita por especialistas, mas não tenho qualquer dúvida em responder à questão sobre o futuro das greves: vão continuar a ser exatamente o que eram, e as evocações históricas que agora surgem são tão esticadas quanto erradas.

Não há nenhuma razão plausível para se achar que, daqui para a frente, uma greve de professores, médicos, da Função Pública ou dos transportes públicos – para falar de casos mais habituais – ficou limitada ou impedida de acontecer.

Basta perceber que o conceito de emergência nacional, neste caso, energética, serviu de base a toda a atuação do Governo para se perceber isso. Nenhuma das greves que nos ocorrem neste tipo de discussões permite acionar um estado de emergência nacional. Ora, se isso não acontece, nenhum dos mecanismos administrativos subsequentes pode ser acionado.

É natural que as mudanças no mundo sindical (e no mundo do trabalho em geral) nos coloquem perante greves de novo tipo e que isso possa levar, também, a respostas governamentais pouco habituais. Mas convém não misturar tudo. Basta ver que a greve dos registos e serviços de notariado decorreu, em simultâneo a esta, sem nenhum recurso administrativo especial. Causava transtorno? Claro que sim. Mas levantava alguma situação de emergência nacional? Não. Ora, sem isso continua tudo, ou quase tudo, na mesma.