Ensino

De gabinetes ministeriais a quartos e T1 para estudantes do superior

<span class="creditofoto">Foto Tiago Miranda</span>

Foto Tiago Miranda

O emblemático edifício do Ministério da Educação na avenida 5 de Outubro, em Lisboa, tantas vezes palco de protesto de várias gerações de alunos, vai ser reconvertido em residência universitária. O ministro Tiago Brandão Rodrigues entregou as ‘chaves’ esta segunda-feira. Ao todo, são 51 os imóveis do Estado que passam a estar ao serviço do Plano Nacional para o Alojamento do Ensino Superior

Texto Isabel Leiria

Durante 47 anos foi a casa de 30 ministros da Educação. Alguns ocuparam-na durante não mais do que um punhado de meses, outros resistiram mandatos inteiros, assistindo do alto do seu gabinete no 13º andar às muitas manifestações que professores, funcionários e alunos convocaram para “a 5 de outubro”.

À porta do edifício do Ministério da Educação (ME), no centro de Lisboa, gritou-se por mais ação social, pelo fim da PGA (Prova Geral de Acesso ao Ensino Superior que vigorou no início dos anos 90), pela abolição das propinas, por melhores condições das escolas do ensino artístico, pela extinção dos exames nacionais.

Lá dentro, nos muitos gabinetes que o compõem e que se vão transformar em 232 quartos e 43 apartamentos T0 e T1 para 600 estudantes do ensino superior, decorreram milhares de horas de negociação com dirigentes sindicais, várias vezes noite fora.

Até que em março do ano passado, a equipa do ministro Tiago Brandão Rodrigues fez as malas, mudando-se da 5 de outubro para um edifício arrendado à Parque Escolar na 24 de julho. Problemas de estrutura no prédio que desde o início da década de 70 albergou o ME e a proximidade a outros serviços da tutela, já localizados naquela avenida, justificaram a mudança.

E nesta segunda-feira, o ministro entregou de vez as ‘chaves’ ao seu colega da Habitação e Infraestruturas para que o edifício seja transformado em residência de estudantes. Este será apenas um dos 51 imóveis do Estado que passam a ser geridos pelo Fundo Nacional de Reabilitação do Edificado e que, depois das obras necessárias, vão ser explorados por universidades e institutos politécnicos para acolher os muitos alunos deslocados que não têm atualmente lugar em residências a preços acessíveis.

A situação tornou-se particularmente grave nos últimos anos, com os preços das casas, sobretudo nas maiores cidades, a disparar e a tornar impossível para muitas famílias pagar os custos da deslocação dos filhos para instituições de ensino fora dos locais de residência.

Os números da “inação” nesta área são reveladores e foram recordados pelo ministro das Infraestuturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos: só 13% dos mais de 113 mil estudantes deslocados têm hoje lugar numa residência universitária. Sendo que nas duas cidades mais caras, os valores são ainda mais baixos, caindo para os 7% em Lisboa e 11% no Porto.

Conventos, quartéis, pousadas da juventude

Com o Plano Nacional para o Alojamento do Ensino Superior a oferta duplicará até 2030, devendo estar disponíveis já nos próximos quatro anos mais 12 mil camas.

Além do aproveitamento de património estatal, o plano prevê ainda condições de financiamento e de contratação favoráveis para que as instituições de ensino superior, em parceria com autarquias, mas também outras entidades, possam criar mais alojamento, num total de 263 imóveis, localizados em 42 concelhos.

O património do Estado que vai ser alocado inclui, além do ME, o antigo edifício do Instituto de Meteorologia junto ao aeroporto da Portela, as antigas cavalariças do Palácio das Laranjeira, junto às atuais instalações do Ministério do Ensino Superior, quartéis, conventos, pousadas da juventude, residências de estudantes do básico e secundário não utilizadas, conventos e vivendas. Ou seja, lembrou o secretário de Estado do Ensino Superior, Sobrinho Teixeira, património com “grande valor” imobiliário e que será disponibilizado para estar “ao serviço dos estudantes”.

Porque o objetivo, sublinhou o primeiro-ministro, é garantir que mais alunos chegam ao ensino superior, passando dos atuais 40% dos jovens de 20 anos para os 60% em 2030. E que as políticas públicas de habitação sirvam para “reforçar a coesão social”.

As memórias de quem também esteve do lado de fora

Numa cerimónia que contou com o primeiro-ministro, três ministros (Educação, Ensino Superior e Habitação) e o presidente da Câmara de Lisboa (CML) foram vários os que recordaram no hall de entrada do Ministério o tempo em que estiveram no lado da rua.

A começar por Tiago Brandão Rodrigues. “A primeira vez que aqui estive foi do lado de fora”, admitiu o ministro e autor da ideia de reconverter o ME em residência de estudantes. “Deve ser o primeiro expropriado feliz”, brincou Pedro Nuno Santos durante a visita a um dos pisos, conduzida pelo projetista João Appleton.

Também Fernando Medina, presidente da CML e ex-dirigente da Federação Académica do Porto nos anos 90 lembrou os tempos em que ali esteve na rua, em nome da “ação social escolar para todos”. “Este é uma casa com história, que foi para muitas gerações um palco de afirmação de cidadania e luta”.

Tal como António Costa, que duas décadas antes, ainda adolescente, se manifestava à porta do Ministério. Com uma diferença significativa. Com o espírito da revolução ainda presente e o então capitão de Abril Vítor Alves à frente da pasta, os manifestantes começam lá fora e acabam a se recebidos pelo ministro, recordou.