SERIAL KILLER CHINÊS

O assassino que odeia as mulheres vestidas de vermelho

É um caso com contornos macabros – um homem de meia idade, dono de uma mercearia, com uma família estável mas aparentemente com um segredo chocante. Gao Chengyong, que acaba de ser detido, é suspeito de ter começado a matar e violar mulheres há 28 anos em plena luz do dia (e se um tio dele não tivesse cometido um crime menor e dado uma amostra de ADN à polícia, quem sabe o que teria acontecido). Toda a gente o descreve como alguém calmo, pacato e reservado – ninguém poderia imaginar que passou 14 anos a perseguir mulheres sozinhas vestidas de vermelho (e que um dia decidiu parar, sem que ninguém perceba porquê). Os jornais escrevem que é como “Jack, o Estripador”

TEXTO MARIANA LIMA CUNHA

Ninguém diria que Gao Chengyong tinha alguma coisa a esconder. Como nos filmes, o suspeito de um crime macabro era visto por todos os que o rodeavam como alguém calmo e pacífico, sempre calado e reservado. Vivia numa cidade pequena, geria uma mercearia pacata com a esposa, tinha dois filhos e gostava de danças de salão. Se o relato ficasse por aqui – tal como todos os que o conheciam, família incluída, acreditavam –, esta história não teria nada de relevante a acrescentar.

Mas a verdade é que, acredita a polícia chinesa, Gao Chengyong tem muito mais a esconder – tem uma espécie de vida dupla em que passa de ser um comerciante introvertido para um assassino sem escrúpulos. Conforme o Ministério de Segurança Pública chinês já confirmou (e, segundo a imprensa do país, o próprio terá confessado), Gao é o assassino até agora conhecido como o “Jack, o Estripador” chinês, responsável pela morte e violação de 11 mulheres entre 1988 e 2002.

A fachada era quase perfeita, dizem as autoridades – à sua fama de homem pacato juntava-se o facto de viver na cidade do norte da China de Baiyin mas estar registado como residente a 120 quilómetros, na sua cidade natal, Qingcheng (onde vizinhos e conhecidos dizem que ia muito raramente, mantendo pouco contacto com quem ali vivia). Para mais, devido ao estilo de vida isolado que aparentemente levava, Chengyong conseguiu escapar sempre à obrigatoriedade de dar uma impressão digital para o bilhete de identidade nacional.

Encontrada morta com 22 facadas no corpo

Foi assim que terá conseguido permanecer escondido durante todos os 28 anos que passaram desde o primeiro homicídio, em maio de 1988 – o ano em que nasceu o seu filho mais velho. Foi nessa altura que uma mulher de 23 anos foi encontrada em Baiyin com 23 marcas de facadas no corpo, um padrão que se manteria nos anos seguintes, até 2002 (ano em que as mortes pararam, sem que até agora tenha sido descoberta a causa para este fim abrupto).

O procedimento variava pouco: Chengyong costumava escolher mulheres vestidas de vermelho que viviam sozinhas como alvos, perseguindo-as até às suas casas em plena luz do dia para depois as matar e violar, chegando inclusivamente a violar os próprios cadáveres. Era ainda habitual que mutilasse os corpos e particularmente os órgãos reprodutivos das vítimas, sendo frequentes as marcas de facadas espalhadas pelos corpos inteiros destas mulheres.

Um desses casos foi o de Cui Jinping, que numa manhã de novembro de 1998 foi esfaqueada 22 vezes em casa e depois degolada, sendo que partes do seu corpo como as mãos ou as orelhas nunca chegaram a ser recuperadas – nem pela própria mãe, que foi a primeira a encontrar o corpo da filha. À luz dos novos acontecimentos, o irmão da vítima, Cui Xianping, já declarou ao jornal “Beijing News” que depois de tantos anos começava a acreditar que este caso nunca seria resolvido.

Um pervertido que odeia mulheres

Em 2004, pela primeira vez, os crimes foram relacionados pela polícia, que decidiu oferecer uma recompensa de 30 mil dólares (26.900 euros) a quem tivesse em sua posse informações relevantes para a detenção do criminoso. Na altura, o auge do pânico levou a que as mulheres deixassem de passear sozinhas por Baiyin, enquanto a polícia revelava que procurava um suspeito entre os 33 e os 40 anos.

“O suspeito tem uma perversão sexual e odeia mulheres”, anunciariam na altura os agentes de segurança. “É antissocial e introvertido, mas também é paciente.” A paciência e aparente maestria do assassino parecia levar a crer que a sua detenção seria uma impossibilidade, mas este ano, com a reabertura do caso pelo Gabinete de Investigação Criminal da China usando novas tecnologias mais avançadas para examinar o ADN, a esperança das famílias das vítimas – a mais nova das quais tinha apenas 8 anos – foi renovada.

Tudo se precipitou quando um tio de Chengyong foi recentemente preso por um crime menor, sendo obrigado a deixar uma amostra de ADN com a polícia local. Foi então que, de acordo com o “China Daily”, os peritos em ADN perceberam que o suspeito seria da mesma família e não demoraram em chegar até ao aparentemente pacato dono da mercearia.

As reações são de choque: embora o homem de 52 anos seja descrito pelos vizinhos como “reservado e emocionalmente indisponível para a família”, conforme cita o “South China Moertning Post”, ninguém poderia imaginar uma história com contornos tão macabros. Se um dos filhos já veio mostrar-se “chocado”, afirmando que “não conhecia” o seu pai, que via raramente, outro deles veio a público afirmar que o pai teve uma “juventude difícil”. A mulher, Zhang, mostra-se em estado de choque. Afinal, está casada com o homem que é conhecido como o “Jack, o Estripador” da China – tal como o famoso assassino da Londres vitoriana nunca identificado, matou e mutilou várias mulheres. A diferença é que Chengyong foi apanhado quando já poucos acreditavam que isso fosse possível.