O POEMA ENSINA A CAIR
UMA MÃO CHEIA DE PALAVRAS, UMA CASA CHEIA DE LIVROS
Aos 12 anos escreveu o primeiro poema e enviou-o para o DN Jovem. A resposta do editor do jornal foi "não gostámos lá muito mas continua a tentar." E foi isso mesmo que Rita Taborda Duarte fez. Continou a escrever e a partir dos 15 começou a publicar regularmente poemas e contos. Não sabe muito bem explicar quer o prazer da escrita quer o prazer da leitura mas sabe identificar-lhes a origem: "por ter crescido numa casa onde os livros estavam pelo chão e faziam parte da normalidade, contribuiu para que lesse e escrevesse".
TEXTO RAQUEL MARINHO VÍDEO EXPRESSO GRAFISMO VÍDEO JOÃO ROBERTO
"Tirei uma mão cheia de palavras ao acasoConcha, lago, ternura, um pedaço arrancado à bruta da palavra amorMas tu chegaste-me entretanto, com um perfeito ramo de frases feitasfingiste até nem reparar na confusão e deitámo-nos assim mesmo na minha palavra aindapor dizer"
Rita Taborda Duarte (n.1973) escreveu o primeiro poema aos 12 anos e enviou-o para o DN Jovem, iniciativa que acontece por sugestão do pai, o escritor Mário de Carvalho, quando um dia lhe mostrou o suplemento do Diário de Notícias e lhe fez a pergunta "porque é que não escreves para aqui?". Aos 12 anos, Rita já escrevia poemas mas sobretudo já lia: "a escrita e a leitura faziam parte das rotinas da minha casa. Nunca pensei nos livros como uma faceta académica, eles andavam ali por casa ao pontapé, não eram sacralizados, eram usados por toda a gente."
A resposta de Manuel Dias, editor do DN Jovem, foi um marco, que podia ter ditado a desistência, mas acabou por fazê-la perceber que teria de trabalhar mais: "vamos ser francos, não gostámos lá muito mas continua a tentar." Aos 12 anos, conta, uma resposta destas "deu choradeira em casa" mas não o fim da vontade: "aquilo era dos 12 aos 25, e era natural que uma miúda de 12 anos não publicasse."
Não demorou muito tempo até conseguir. Aos 15 anos reconciliou-se com o suplemento do Diário de Notícias e começou a publicar poemas e contos, hábito que permaneceu até à faculdade.
Teve alguma dificuldade na escolha da área escolar porque era boa aluna em várias matérias, e também porque encarava a escrita e a leitura como algo natural e não necessariamente um projecto de futuro que se traduzisse numa profissão: "não era óbvio para mim que a parte da escrita e da leitura estivesse relacionada com uma profissão, isso fazia parte de um quotidiano diferente."
Acabou por entrar no curso de Agronomia mas não deixou de sentir-se próxima das letras, o que acontecia é que essa proximidade representava uma espécie de dilema: "quando estava a ler, sentia que estava a roubar tempo ao estudo."
Começou a chumbar nalgumas cadeiras de agronomia, e percebeu que teria de mudar. Foi aprender latim para poder entrar em Letras, e entrou.
Acabou por licenciar-se em Línguas e Literaturas Modernas, fazer depois o mestrado em Teoria da Literatura, e ainda iniciar o doutoramento sobre a representação em Luiza Neto Jorge. Projecto que está pendente desde o nascimento de Manuel, o filho mais novo.
Dá aulas na Escola Superior de Comunicação Social, integra a Comissão de Leitura da Gulbenkian e, ao mesmo tempo, escreve. Não sabe muito bem explicar quer o prazer da escrita quer o prazer da leitura mas sabe identificar-lhes a origem: "tenho a certeza que por ter um pai mais leitor do que escritor, e por ter crescido numa casa onde os livros estavam pelo chão e faziam parte da normalidade, contribuiu para que lesse e escrevesse." A crítica do pai escritor também foi importante para a formação de Rita Taborda Duarte: "havia uma certa ironia. O meu pai lia em voz alta e repetia algumas palavras com ar irónico. Por exemplo, nas cacofonias dizia ca ca ca, e destruía automaticamente o que tinha feito." Sabia, explica, no entanto distanciar-se o suficiente porque "estas coisas não são sagradas", e porque no meio da crítica cabiam também os elogios: "o meu pai dizer - não está mau - era assim o maior elogio que podia haver."
Tem vários livros de poesia publicados e explica que gosta sobretudo e desde sempre de estar atenta ao sentido de cada palavra e ao seu som: "há um espanto com a língua, uma descoberta de tudo o que sou capaz de fazer com a mesma língua, as mesmas palavras e as mesmas letras. Talvez por isso o meu primeiro livro tem poemas minúsculos, muito pequeninos, quase com medo de desenvolver alguma coisa para além dessa efervescência e luminosidade das palavras". Dar a cada palavra e ao respectivo som a sua importância, "quase um absurdo de com a palavra chegar ao silêncio", porque "a poesia não é feita com palavras mas contra as palavras, quase a resgatá-las do quotidiano."
Publicou também vários livros infantis e começou esta experiência de escrever para crianças muito por causa da interacção com os filhos: "a Mariana era pequena, tinha para aí 5 anos e eu disse-lhe um dia - não risques as costas da cadeira - e ela ficou a olhar para mim e disse - mãe, as cadeiras não têm costas." Outro dia, a filha estava a portar-se menos bem e Rita Taborda Duarte perguntou-lhe porque se portava mal. A resposta veio pronta e deixou a mãe a pensar: "as crianças são mesmo assim."
Explica que episódios como estes a deixaram a pensar porque "nós lidamos com as palavras todos os dias e não nos apercebemos das palavras que dizemos".
Continua interessada na escrita de poesia, tendo consciência de que os poemas que escreve nascem "das palavas e não da experiência ou do quotidiano". Conta que quanto mais lê poesia mais escreve poemas porque "é pelas palavras dos outros" que constrói a sua poesia, e porque "é quase como se a minha poesia fosse uma resposta a outros poemas, e se desenvolvesse assim".
Neste sentido, encontramos na poesia de Rita Taborda Duarte aquilo que leu, os seus poetas fundamentais, e a forma como depois os reelaborou. Estamos a falar de nomes como Vitorino Nemésio, António Ramos Rosa, Fiama Hasse Pais Brandão, ou Luiza Neto Jorge.
A poesia serve para quê?
Para revirar a prosa do ave(r)sso.
Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?
Condicionada pela pergunta anterior, vem-me este à memória:
«Um poema é um inutensílio» (Manoel de Barros).
Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?
A poesia não tem nacionalidade. Sequer a língua: «Vieram dizer que a minha língua/é a maior que há no mundo. Ao espelho, ponho a língua de fora: é/a minha língua, é portuguesa, mas não sei por que é que a consideram/a maior língua do mundo. Por muito que veja a minha língua ao espelho,/a língua que vejo não é maior nem mais pequena do/que milhões de outras línguas que há neste mundo. A não ser/que a minha língua não seja portuguesa, ou que uma língua/não tenha nacionalidade» (Nuno Júdice)
Um bom poema é...
Um labirinto de palavras a fintar o lugar comum que é como quem diz «um duelo agudíssimo/quero eu dizer um dedo/agudíssimo claro/ apontado ao coração do homem» (Luiza Neto Jorge)
O que o comove?
Qualquer bom inutensílio.
Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?
Este: «Coelho, escuta, o povo está em luta». É a chamada poesia de rua…
Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?
«Sexofone, saxofome, aqui jazz a humanidade» ( José Gomes Ferreira). Ou «Fechado para balanço». Ou, então, um longo bocejo, só…
Poemas Rita Taborda Duarte escolheu um poema de Luiza Neto Jorge para a rubrica do Expresso