CASO SIMBA
“Mataram o meu cão pelas costas, mas tenho de dizer que ele foi alegadamente assassinado”
SIMBA Cão de Diogo Castiço foi morto pelo vizinho FOTO D.R.
Diogo Castiço falou com o Expresso. E quem é Diogo Castiço? É o homem a quem lhe mataram o cão. E é o homem que chamou “assassino” a quem lhe matou o cão. E é o homem que vai pagar uma multa superior àquela a que foi condenado o agressor do cão. E é o homem a quem o juiz acusou de usar as redes sociais como “porta-estandarte”. E o cão é Simba. Que já não vive
TEXTO CARLA TOMÁS FOTO NUNO BOTELHO
A morte de Simba com dois tiros de caçadeira, em março de 2015, incendiou as redes sociais. Agora é a sentença decretada pelo Tribunal de Idanha-a-Nova que volta a atear a indignação.
O juiz deu como provado que José França Gouveia matou o cão do vizinho a tiro deixando-lhe cravejados 70 chumbos e por isso condenou o ex-funcionário das finanças a uma pena de 240 dias de multa, que a oito euros por dia totaliza 1920 euros. A esta acresce a inibição de usar a arma de caça durante um ano e 4000 euros de indemnização a pagar aos donos do cão, Diogo Castiço e a namorada, Andreia, pelos "danos patrimoniais causados".
Porém, o juiz também condenou José Diogo Castiço a uma pena superior à do homem que lhe matou o cão. Por ter chamado "assassino" ao vizinho que alvejou o leão-da-rodésia pelas costas, Diogo Castiço tem de pagar uma multa de 2000 euros e uma indemnização de 1500 euros ao ofendido.
A sentença proferida esta terça-feira contou também com uma lição de moral só dirigida ao dono do cão, por ter manifestado no Facebook o seu sofrimento pela morte do "melhor amigo". O Juiz acusou Diogo Castiço de usar as redes sociais como "porta-estandarte" em defesa de "um animal de quatro patas" e aconselhou-o a manter os animais, ou seja os outros quatro cães, fechados.
Diogo Castiço vai recorrer da decisão, mas acima de tudo espera que o caso da morte de Simba sirva de lição numa luta pelos direitos dos animais que ainda tem um grande percurso a percorrer em Portugal.
O Expresso entrevistou Diogo Castiço. Depois da morte de Simba, ele e a namorada, Andreia, acabaram por abandonar o projeto de turismo rural e criação de cavalos que tinham na quinta herdada junto à aldeia de Monsanto. Estão de volta à vida de Lisboa e Diogo, agora com 37 anos, trabalha como comercial numa empresa de ligada à área de equipamentos e consumíveis de fotografia.
Com eles, em Lisboa, vivem mais quatro cães, entre os quais o filho do Simba e um cão que encontraram numa saca de galinhas no distrito de Castelo Branco.
FOTO NUNO BOTELHO
Como era a relação com o vosso vizinho, José França Gouveia, antes da morte do Simba?
O vizinho utilizava a água de um poço na minha propriedade e havia boa vizinhança. Os cães dele chegaram a brincar com os nossos. Nada me levava a adivinhar que pudesse acontecer o que aconteceu e que a 7 de março recebesse um telefonema da Andreia a dizer-me que o Simba tinha levado um tiro do vizinho.
Onde estava o Diogo nesse momento?
Eu estava na loja de produtos regionais que tínhamos na aldeia e a Andreia estava a fazer replantação de plantas. Quando me liga a dizer que o Simba estava a morrer e que tinha sido atingido com tiros vindos da propriedade do vizinho, primeiro pensei que teria sido algum caçador. Quando lá cheguei, o Simba tinha acabado de morrer. O corpo ainda estava quente.
O que fez a seguir?
Fui a casa do vizinho perguntar se ele tinha atirado contra o meu cão e ele disse que tinha atirado para o ar para o avisar. Mas ao baixar a cara com o ar mais culpado do mundo, percebi que tinha sido ele. A GNR chegou naquele momento ao local e pediu-lhe a arma e os cartuchos. Até às alegações finais, ele manteve a teoria de que apenas tinha mandado dois tiros para o ar.
Mas ficou provado em tribunal que o Simba foi morto com dois tiros de caçadeira...
Sim e a necrópsia encontrou 70 chumbos cravejados na carne, o que leva a crer que o Simba foi atingido a uma distância de cinco metros e pelas costas. Durante o julgamento, todos os argumentos que alegou de que os cães teriam ido às galinhas, que a mãe dele tinha desmaiado e que os meus cães eram agressivos foram desmontados. O Simba foi assassinado pelas costas, mas tenho de dizer alegadamente assassinado.
Mas se o tribunal deu o seu vizinho como culpado pela morte do cão, porque não pode falar em assassino?
Porque perante a lei isso é considerado uma injúria.
FOTO D.R.
Como olha para o facto de a multa aplicada pela morte do Simba ser inferior à que lhe foi aplicada a si por chamar assassino ao homem que lhe matou o cão?
A realidade chega a ser mais caricata que a ficção. Ou houve um excesso de zelo e eu fui considerado uma pessoa perigosa por andar a injuriar pessoas ou não percebi. Vou avançar com um recurso em relação a essa decisão. Eu confessei que por três vezes chamei assassino ao homem que agarrou numa arma e matou o meu animal de estimação. Mas o juiz achou que além destas três vezes, houve outras três em que lhe chamei assassino - o que não é verdade.
Que comentário lhe merece a lição de moral final por parte do juiz?
Não compreendo como é que um juiz no final de uma sentença que levou duas horas a ser lida se ponha a debater dilemas morais. Na opinião dele eu estava errado em humanizar excessivamente o Simba e devia ter os meus cães presos. Também disse que eu não posso fazer de um animal um porta-estandarte e que nem tudo pode ser dito nas redes sociais. Eu pensava que isso tinha acabado no 25 de Abril de 1974. A mesma bitola não teve para a pessoa que agarrou na arma e tirou a vida ao meu cão, resolvendo um alegado problema a tiro. Ao senhor José França Gouveia bastou a pena. Em relação a mim, além de a pena ser superior, tive de levar uma lição de moral que quase parecia uma vingança por ter posto o senhor juiz a julgar um crime relacionado com um animal de quatro patas.
Este crime acabou por ser julgado como dano patrimonial e não como crime de maus-tratos contra animais devido às incoerências e falhas na lei. O Partido Animais e Natureza (PAN), de que o Diogo foi cabeça de lista por Castelo Branco, quer mudar a lei. O que tem a dizer sobre a atual legislação de maus-tratos contra animais?
Esta lei está mal feita e assenta no princípio que se um animal levar um pontapé, não for alimentado ou for espancado, entra na categoria de maus-tratos, mas se o tiro ou pedrada resultar na morte imediata do animal ele passa a ter o mesmo valor de uma cadeira. E isso é errado. A lei também não contempla a negligência administrativa, no caso de uma força da autoridade nada fazer se for avisada de uma situação de maus-tratos como aconteceu na semana passada com o Boris, porque não podiam entrar em propriedade privada ou iam lá e não viam o cão. Infelizmente, perante a lei um cão é só um cão.
FOTO D.R.
Num debate recente organizado pelo PAN, a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, assumiu que a lei tem falhas e que os animais não devem de ser vistos como “coisas”. Como vê esta tomada de posição?
Acho que a ministra está com o coração no sítio certo e foi literalmente tocada para iniciar um movimento que deve vir das mais altas instâncias e isso deixa-me esperançoso. Se passarmos a olhar para os direitos intrínsecos dos animais, não podemos continuar a criar animais da forma desumana, não podemos aceitar que se coloquem porcas entaladas entre grades para alimentarem leitões 14 horas por dia. Temos de alargar a lei de maus-tratos a outros animais e não distinguir aqueles a quem fazemos festas daqueles que compramos às postas.
Espera que a morte do Simba seja um exemplo?
O Simba transformou-se em algo enorme. As pessoas identificaram-se com a personalidade do Simba e ele quase se tornou um sujeito de direito que após a morte ainda gera a atenção para outros casos concretos. E juntando-se os casos fazem-se as causas.
O tribunal atribuiu a pena pela perda de um bem material. Acha que a pena devia ter sido mais dura?
Nada vai trazer-me o Simba de volta. Eu cresci num meio tauromáquico e muito macho latino, o meu pai era aficionado e o meu tio forcado e eu sempre fui criado num meio que me levou até determinado momento a aceitar determinadas coisas como irreversíveis. Mas hoje já não as considero irreversíveis e sou contra as touradas.
Perdeu a vontade de viver em Monsanto?
Não consigo responder a isso. Sei o que nos levou a afastar de Monsanto, que foi não conseguir estar a viver ao lado de uma pessoa que um dia foi capaz de pegar numa arma e disparar sobre o meu cão. Cheguei a imaginar coisas horríveis com pesadelos dos meus cavalos brancos todos manchados de sangue. Mas o futuro só deus sabe, mas não me sinto inclinado para voltar a viver ali. Mas se voltar ao interior irei com outra carapaça. Não se pode ir para o interior com o coração aberto.
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