O POEMA ENSINA A CAIR

OS ESTATUTOS DO AMOR

Joana Serrado escreveu o primeiro livro de poesia aos 24 anos e depois desse, mais dois. Um deles, «Emparedada», foi escrito em holandês e publicado na Holanda. Emigrante há vários anos, depois de uma temporada na Holanda, está agora a fazer investigação em Inglaterra e dá aulas de teologia na universidade de Oxdord.

TEXTO RAQUEL MARINHO VÍDEO JOANA BELEZA GRAFISMO VÍDEO JOÃO ROBERTO

1. (Direito à Possibilidade)
Que todo o abraço seja tão contundente como o teu olhar.
Que todo o olhar seja tão emergente como a tua palavra.
Que toda a palavra seja tão urgente como a tua mão nos meus cabelos.
(…)

Joana Serrado (1979) começou a escrever poesia na escola primária por ocasião dos dias da mãe e fazia os dela e os dos colegas. Também nos primeiros anos de escola participava em concursos literários, e essa aptidão para a escrita de poesia levou a família e os professores a incentivar a leitura de poesia para além dos programas curriculares. Antero de Quental foi um dos primeiros de que gostou, «lembro-me de ler Antero e Florbela Espanca e de não gostar da Florbela», de tal modo que desenvolveu com o poeta uma empatia que nem sequer entendia muito bem: «o fascínio pelo Antero tem a ver com a sua dimensão política, biográfica e trágica. Criei uma relação pessoal com o que ele escrevia. Por exemplo, tinha 14 anos quando soube do poema dele chamado «15 anos» e decidi não o ler até ter essa idade porque pensava que ele o tinha escrito para mim.» Dos primeiros contactos com a poesia recorda também a importância de Mário de Sá-Carneiro por oposição, por exemplo, a Fernando Pessoa, «a todos os Pessoas».

Estudou em várias escolas, de Trás os Montes ao Funchal passando pela Figueira da Foz, e na adolescência leu autores que talvez tivessem determinado as escolhas académicas feitas mais tarde. «O Camus e o Sartre, lá está, os mais filosóficos, e mais adiante o Thomas Mann.»

Inscreveu-se no curso de Filosofia, «para ser muito sincera porque queria ser escritora», e tirou depois o mestrado em filosofia medieval, ao mesmo tempo que aprendeu holandês: «achava que o curso de filosofia me poderia dar uma base para poder escrever. Queria a dimensão teórica, um saber mais global e universal, não tanto da técnica.»

Depois do mestrado, inscreveu-se no doutoramento em teologia, terminado na semana passada: «descobri que a teologia seria o local para procurar o pensamento das mulheres porque a filosofia é um mundo bastante masculino em que as vozes femininas continuam marginalizadas. Eu queria procurar a voz feminina sobretudo no pensamento português e descobri-a quer na literatura quer no pensamento religioso.»

Explica que, na sua opinião, um poema é sempre uma ideia e não a palavra e que, por essa razão, na sua poesia «há uma procura de um pensamento a partir de uma experiência poética, portanto, há uma dimensão filosófica.»

Parte para cada poema como quem parte para um enigma, «um poema tem de dar respostas filosóficas», e faz, por isso, uma espécie de investigação: «o meu método é procurar, tentar encontrar esse saber que não sei.»

Nem sempre encontra as respostas todas mas o poema acaba por ter a sua função, quanto mais não seja para a autora: «encontro pelo menos uma satisfação pessoal. O poema pode não estar a fazer filosofia a nível mais público mas há inquietações pessoais que ficam acalmadas.» No entanto, o objetivo é que a sua poesia não reflita apenas inquietações pessoais e antes proponha um projeto: «acho que o poema consegue triunfar quando atinge uma mensagem mais universal.»

Escreveu o primeiro livro de poesia aos 24 anos e depois desse, mais dois. Um deles, «Emparedada», foi escrito em holandês e publicado na Holanda. Emigrante há vários anos, depois de uma temporada na Holanda, está agora a fazer investigação em Inglaterra e dá aulas de teologia na universidade de Oxdord. Tem saudades de Portugal e da língua portuguesa falada e escrita, «mas os poemas não vêm, e eu não sei.»

­ A poesia serve para quê?

Para ressuscitar. Para fazer sentido sair da cama e abrir os olhos.

­ Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?

Por acaso não sei muitos. Vem-me `a cabeça

Na mão de Deus, na sua mão direita
descansou afinal o meu coração.
De Antero
Mas também
is a rose folded in its nerves?   how unspeakable
de Alice Oswald

­ Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?

Tenho uma relação especial com a Holanda, pois lá vivi vários anos e escrevi um livro que contém poemas em holandês [ Emparedada/ Uit de muur, Passage Uitgeverij, 2009]. Mas vejo-me mais como uma nómada australopiteca a grunhir o sentido do mundo.

­ Um bom poema é?

Quebrar com a língua e criar novas linguagens. Menos um esperanto e mais um proto-indo-europeu com gramática renovável a cada sentimento.

­ O que o comove?

Instalações artísticas. Gosto da poesia da disposição e relação com os objectos. Gosto de graffitti. Ou a interligação da teologia com a indecência. Sorrisos e tartarugas.

Que poema enviaria ao primeiro­ministro português?

COME ANANÁS
Come ananás, mastiga perdiz.
Teu dia está prestes, burguês.
Maiakóvski, 1917
(Tradução de Augusto de Campos)

­ Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?

Muitas vezes penso que no meu epitáfio ficaria “aqui jaz um bluff”. Mas agora sei que vivo, que não estou a enganar ninguém. Gostava que o meu epitáfio fosse um banco de jardim onde alguém se pudesse sentar, dormir, ler, namorar, pensar. Deixo as palavras para os desejos (dos) desconhecidos.

O Êxodo e um excerto da Bíblia são as leituras desta semana