OPERAÇÃO MARQUÊS
As onze dúvidas do processo Sócrates
PRESO Carlos Alexandre renovou a prisão preventiva de José Sócrates FOTO ALBERTO FRIAS
Durante quanto tempo Sócrates pode continuar preso? E o recurso vai ou não ser apreciado? E afinal o que é que o MP tem contra o ex-primeiro ministro? Damos as respostas
TEXTO MICAEL PEREIRA e RUI GUSTAVO
Sócrates vai ficar preso mais três meses?
Não necessariamente. Primeiro porque o juiz Carlos Alexandre renovou a prisão preventiva por mais três meses, mas deu dez dias à defesa para se pronunciar sobre os novos factos apresentados pelo Ministério Público. Em teoria, o juiz pode alterar a medida de coação, mas tendo em conta as decisões anteriores, não é muito provável que Carlos Alexandre proponha uma medida de coação mais leve, como prisão domiciliária ou apresentações periódicas às autoridades. Para além disso, há um recurso contra a prisão preventiva que já está a ser apreciado no Tribunal da Relação de Lisboa. Este recurso foi apresentado logo que José Sócrates foi preso preventivamente, a 24 de novembro do ano passado e deve ser decidido nas próximas semanas. Mas não é líquido que vá ter uma importância decisiva no processo (se esta dúvida o atormentar demasiado pode saltar já para a pergunta 3).
Quais são os novos factos apresentados pelo Ministério Público?
Na resposta ao recurso apresentado pelos advogados João Araújo e Pedro Delille, o procurador Rosário Teixeira foi um pouco mais longe nas suspeitas contra José Sócrates: referiu-se a uma proposta que o ex-primeiro ministro fez a outro arguido do processo, Carlos Santos Silva, para a compra de uma casa em Tavira. Com este facto, o MP pretende reforçar que o dinheiro que Santos Silva emprestava a Sócrates era, na verdade, do ex-primeiro-ministro. Além disso, o MP concretiza as suspeitas sobre o facto desse dinheiro ter origem no Grupo Lena, alegando que este conglomerado de empresas de construção civil e obras públicas foi beneficiado com contratos com o Estado na ordem dos 200 milhões de euros. Para Rosário Teixeira, este é o indício mais forte de que José Sócrates foi corrompido.
FOTO NUNO BOTELHO
O recurso que está a ser apreciado no Tribunal da Relação pode ser inútil?
O presidente da Relação de Lisboa é claro: “Não. Não é inútil. A lei diz que o tribunal tem de conhecer o recurso, não pode ser de outra maneira”, garante Vaz das Neves. O advogado Paulo Sá e Cunha, que durante o processo Casa Pia enfrentou um problema semelhante, também acredita que não: “A lei é clara. O facto de a prisão preventiva ter sido renovada não retira qualquer utilidade ao recurso apresentado.” A questão é que o Ministério Publico apresentou dados novos. “Se apresentou dados novos o arguido devia ter sido confrontado com eles em novo interrogatório, o que julgo não ter acontecido”, continua Sá e Cunha. Vaz das Neves explica que os factos novos não podem ser apreciados no recurso: “É evidente que quem ler as contra alegações do Ministério Público passa a ter conhecimento dos factos novos. Mas não os pode considerar. A única coisa que está a ser apreciada é o despacho de novembro do ano passado e os indícios que lá estavam.” Em resumo: se a Relação der razão ao recurso de José Sócrates, este terá de ser libertado. O que não impede o MP de promover nova prisão preventiva com base em indícios novos.
Como é que a defesa de Sócrates reagiu à apresentação dos factos novos?
A defesa alega que a apresentação de dados novos é ilegal porque o arguido não foi confrontado com eles durante o interrogatório que precedeu a prisão preventiva. Para além disso, pode recorrer da renovação da prisão preventiva, enquanto espera que o tribunal da Relação decida sobre o primeiro recurso.
Quanto tempo mais pode José Sócrates ficar preso sem acusação?
Um ano. O prazo normal seria de quatro meses, mas como o caso foi declarado de especial complexidade, o prazo é alargado para um ano sem acusação. Ou seja, o MP tem até novembro de 2015 para deduzir uma acusação, senão José Sócrates terá de ser libertado por excesso de prisão preventiva. Ainda de acordo com a lei, depois de sair a acusação, pode ser requerida a abertura da instrução. Contabiliza-se aqui mais quatro meses aos doze da preventiva. Ou seja, dezasseis meses no total. Depois da decisão da instrução até à condenação da primeira instância chega-se então a um prazo total de 30 meses. E se houver um recurso, o limite serão 40 meses (três anos e quatro meses). É mais do dobro do tempo que leva um processo considerado normal (em concreto, são mais 22 meses). O cenário agrava-se se houver um recurso para o Tribunal Constitucional. No total, seriam 46 meses de prisão preventiva. Até março de 2018.
FOTO ANTÓNIO PEDRO FERREIRA
Há mais algum juiz que vá apreciar o caso para além de Carlos Alexandre?
Sim. Os desembargadores Agostinho Torres e João Carrola estão a apreciar o recurso no Tribunal da Relação de Lisboa. E já houve três juízes do Supremo que recusaram pedidos de habbeas corpus interpostos por cidadãos mais ou menos anónimos.
Sócrates é arguido em mais algum processo além do caso Marquês?
De acordo com o advogado João Araújo, não. No inicio desta semana, Sócrates foi ouvido em dois processos por violação de segredo de Justiça. Num dos casos é testemunha. No outro foi alvo de uma queixa de Mário Machado, o líder dos hammerskins que cumpre uma pena de dez anos de prisão por vários crimes graves. Araújo garantiu que o ex-primeiro-ministro foi ouvido como testemunha em ambos os processos.
Ainda podem ser constituídos mais arguidos?
Sim. Para já são cinco: José Sócrates e o amigo Carlos Santos Silva, ambos em prisão preventiva; João Perna, ex-motorista de Sócrates que já esteve em prisão preventiva, passou para domiciliária e ficou agora em liberdade, com apresentações periódicas às autoridades. O advogado Gonçalo Ferreira e o empresário e ex-patrão de Sócrates, Lalanda e Castro, também são arguidos e estão sujeitos à medida de coação mínima: termo de identidade e residência.
O que falta para o Ministério Público concluir a investigação?
Falta ainda a parte mais sensível e crucial do processo, que é reunir elementos de prova em relação ao crime de corrupção de que Sócrates e Santos Silva estão indiciados. Essa parte só foi iniciada no momento em que os arguidos foram detidos e envolveu operações de buscas às suas casas e aos escritórios do empresário e amigo do ex-primeiro-ministro, bem como a instalações do Grupo Lena. O Ministério Público tem estado a analisar a documentação e o material informático apreendido, ao mesmo tempo que tem estado a inquirir testemunhas sobre esse assunto. Além disso, há ainda todos os movimentos bancários das contas que Santos Silva possuía no UBS, na Suíça. Esses dados só chegaram ao DCIAP há duas semanas.
Há algum prazo definido para o início do julgamento?
Não. Mas José Sócrates só pode ficar preso preventivamente sem condenação um máximo de 30 meses. Ou seja até maio de 2016.
A defesa ainda pode recorrer para mais algum tribunal?
Se perder o recurso na Relação, a defesa de Sócrates pode recorrer da renovação da prisão preventiva decidida agora e, no limite, avançar para um habbeas corpus no Supremo Tribunal de Justiça: ou seja, uma libertação imediata por prisão ilegal. O supremo já recusou três pedidos semelhantes interpostos por cidadãos comuns: um professor anarquista, um jurista de Vila Nova de Gaia e um empresário de sucata.
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