O POEMA ENSINA A CAIR
"NUNCA MAIS NOS SEPARÁMOS. EU E AS PALAVRAS"
Traduz e lê, gosta muito de ler. Também escreve e fotografa, gosta muito de fotografar. Edita livros de poesia e ouve música, "não podia viver sem música". Só na idade adulta ganhou coragem para publicar os seus próprios livros de versos - e conta já com seis títulos, desde 2011. No meio de flores, numa loja no centro de Lisboa, Inês Dias deixou a timidez de lado e leu para o Expresso Diário o poema "Ágata". Para ser lido por Raquel Marinho escolheu "Anunciação" de Ruy Cinatti.
TEXTO RAQUEL MARINHO VÍDEO JOANA BELEZA GRAFISMO VÍDEO JOÃO ROBERTO
«Agora que regressei
a este quarto para ficar,
não me contes que a vida
continua lá fora,
não me tragas
a luz de outros voos.»
Inês Dias (1976) começou a escrever pequenos contos, registos diarísticos sobre o que vivia mas também o que lia, aos 10 anos. Era leitora compulsiva, de tal forma que os pais lhe impuseram horários de leitura que «tinham a ver com a luz solar». Recorda a sorte de a deixarem ler «tudo o que havia lá em casa», e de crescer numa casa com uma boa biblioteca: «li muitos clássicos, foi um bom começo, comecei a ler o Kundera com 15 anos». Se os livros das estantes dos pais não eram suficientes, procurava outros na biblioteca de Belém, que «ficava num palacete no meio de um jardim». Requisitava três livros de cada vez e «como um livro puxa o outro» leu, por exemplo, O Homem Sem Qualidades «porque era a terceira referência que encontrava ao mesmo livro.»
Desde os cinco anos que quer ser professora, e foi esse curso que tirou – Românicas, Português e Francês. Começou a dar aulas aos 22 e foi professora contratada durante quinze anos até desistir da prática da profissão, este ano letivo, em protesto contra as políticas do Ministério da Educação.
Apesar da péssima memória que diz ter, ainda sabe «de cor as caras daqueles trinta alunos do primeiro ano de estágio». Gostava muito de dar aulas, e lembra que, de vez em quando, levava música francesa para os alunos escutarem. Facto que talvez se explique por ter crescido numa casa com muitos instrumentos musicais, o pai de Inês Dias é harpista e a mãe contrabaixista, e de ela própria ter feito o curso de harpa no conservatório.
Conta que «podia viver sem livros, mas não podia viver sem música» e que ou está a ouvir música ou a trautear: «eu adoro andar de táxi e ver o que eles passam na rádio, ficas com aquilo na cabeça o dia todo. Às vezes fixo bocadinhos das letras para depois chegar a casa e descobrir o que é». Nas escolhas musicais considera-se «bastante omnívora», sublinhando, no entanto, que «Bach é Bach – é Deus».
Da relação precoce com a poesia recorda a lírica camoniana pela qual ficou «apaixonada», e com a qual diz ter aprendido muito: «em termos de fazer a corte a uma pessoa o Camões pode ensinar-te imensa coisa». Era boa aluna «tanto a português como a matemática», e menos boa a Educação Física: «Era um problema de atitude, sabes? Acho que os professores eram muito brutos e não tinham em consideração a sensibilidade das pessoas». Explica que foi para a área de línguas porque «adorava matemática mas ainda gostava mais de ler e de escrever». A tal ponto que os pais chegaram a oferecer-lhe uma máquina de escrever para facilitar a tarefa.
Nessa altura, durante a adolescência, não lhe passava pela cabeça escrever poesia para publicar e explica que isso aconteceu já na idade adulta «por culpa das más companhias». Inês Dias é uma das pessoas responsáveis pela Editora Averno e pela livraria Paralelo W, ao lado de Manuel de Freitas: «A pessoa está rodeada de poetas, eu escrevia e guardava. Acho que nem ao Manuel mostrava. Era uma espécie de fado».
Foram amigos poetas que insistiram para que mostrasse o que escrevia e dessa insistência nasceu o primeiro livro.
Publicou «Em Caso de Tempestade Este Jardim Será Encerrado» em 2011, e depois desse mais cinco livros. Conta que sendo uma mulher tímida, provavelmente, é «muito mais sincera» quando escreve do que quando está a falar com as pessoas porque «se calhar a Inês poeta sente essa liberdade e eu não».
Atualmente traduz para a Relógio D´Água e sente-se uma privilegiada pela oportunidade de trabalhar autores como Lydia Davis. Continua a escrever, embora menos: «quando passas muito tempo com as palavras dos outros, sobra pouco tempo para as tuas».
Tem duas gatas, a Daisy e a Lou, uma casa com muitos livros e uma biblioteca onde se guardam alguns tesouros como Vocação Animal de Herberto Helder. É lá que está um dos primeiros textos que chamaram a atenção de Inês Dias por causa de uma metáfora: «Sempre que penso em ti estás a dançar levemente num clima de canela despenteada(...)»
A poesia serve para quê?
Uma resposta possível seria a de Lope de Vega sobre o amor (a natureza é afim): ‘Quien lo probó lo sabe’.
Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?
“Uma pequenina luz bruxuleante”, de Jorge de Sena.
Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?
É mais uma questão de humanidade do que de nacionalidade.
Um bom poema é...
O que muda, de algum modo, o meu olhar sobre o mundo a partir da sua leitura.
O que o comove?
A solidão partilhada.
Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?
“Um adeus português”, de Alexandre O’Neill.
Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?
Sim, tinha paixão.
Poemas "Anunciação" de Ruy Cinatti foi o poema escolhido para ser lido por Raquel Marinho. Inês Dias leu "Ágata" do seu mais recente livro " Da Capo" (Averno, 2014)