ANTOINE D’AGATA

O fotógrafo maldito

ABISMO Antoine d’Agata tem fotografado as experiências de uma vida levada ao limite da degradação FOTO GILLES PANDEL

ABISMO Antoine d’Agata tem fotografado as experiências de uma vida levada ao limite da degradação FOTO GILLES PANDEL

Sexo, prostituição, heroína, ice, violência, mutilação, automutilação, vítima, morte, sangue, destruição. Substantivos capazes de descrever o trabalho daquele que é talvez o mais controverso fotógrafo francês. Antoine d’Agata vai ter a sua primeira exposição comercial em Lisboa. Chama-se “The Long Night” e estará patente na galeria Barbado de 15 de setembro a 9 de novembro

TEXTO ALEXANDRA CARITA

Obsessivo, doentio, demente, D’Agata, membro da agência Magnum, é ou foi tudo — espécie de fotógrafo maldito, marginal e marginalizado. O seu percurso começou por dar as mãos ao de Larry Clark e de Nan Goldin, com quem estudou nos anos 80 e início da década de 90 em Nova Iorque, e aproxima-se mais tarde do de Diane Arbus, mas apenas e só no que diz respeito a uma atração viciante pelo estranho, pelo bizarro, por um outro lado do humano.

Filho de talhante, originário de Marselha (n. 1961), as suas primeiras incursões na fotografia refletem uma atmosfera ‘malcolmlowryana’ (recorde-se o livro “Debaixo do Vulcão”), em que o fascínio pela noite só tem como objetos de desejo o sexo, o álcool e as drogas, vendidos ao desbarato nos bordéis e bares do México, país para onde viaja com frequência.

Vadio, como os cães que fotografa incessantemente, desafia vícios e ultrapassa limites. Passa do voyeur ao agente ativo e inclui partes do seu corpo nas imagens que continua a produzir.

Primeiro as mãos que tocam as caras das prostitutas com quem está, o cigarro entre os dedos, o braço onde injeta a agulha. Depois mais e mais, cada vez mais, até ao ato sexual, os corpos inteiros, as trips e as ejaculações, passando esse a ser o seu modus operandi.

Verdadeira descida aos infernos, o processo criativo de Antoine d’Agata é simultaneamente uma espiral de horrores e uma fantasia abismal. Terreno fixo pisa-o só e de cada vez que chega uma encomenda de um jornal. É assim que volta a descer com Dante a infernos políticos e religiosos, repórter na Líbia, na Cisjordânia, na Palestina...

A Lisboa, o fotógrafo francês leva 18 fotografias de grande formato. São o trabalho de uma vida, a vertigem mais perfeita a que d’Agata nos submete. Imerso na sua experiência pessoal e capaz de levar até às últimas consequências cada um dos seus atos, deambula entre a Ásia e a América Latina numa voracidade nunca vista. De lá traz, a nu e a cru, in extremis, repita-se, todas as misérias do mundo e a sua própria decadência. Sem ela, de resto, não sobreviveria a sua fotografia. O seu é um exercício de decomposição, violento e magnífico a um só tempo. E o qual não é fácil de digerir. A brutalidade das imagens provoca a mesma sensação de angústia e de aversão que a sua força transforma em mito. Antoine d’Agata é isso também. Um mito, mas um mito volátil.

Há quem o deteste e quem o adore, o siga na vertigem ou o coloque na galeria dos horrores. A critica divide-se e o público também. Mas é a sua coerência inabalável que o leva a ultrapassar todas as barreiras. Chocante, irreverente, controverso, polémico, construiu à sua volta os anticorpos suficientes para não olhar para trás e seguir sempre em frente, atravessando o mais solitário e escuro dos caminhos, de onde nem ele alguma vez soube se voltaria vivo.

Em 2013, a retrospetiva “Anticorps” (precisamente), na prestigiada sala de exposições Le Bal, em Paris, deu-lhe o aval plural de que precisava. O livro que acompanhava a mostra acaba mesmo por vencer o Book Prize nos Rencontres d’Arles desse mesmo ano. Comercialmente, a sua carreira progride enormemente, mas Antoine vê-se preso a um requiem que acabara de mostrá-lo ao mundo como um pedaço de caos na ressaca dos seus fantasmas. Mantém, porém, a integridade na preservação da identidade que precede e antecede cada momento que continua a viver, quase como se ele próprio se autonomizasse do mundo que o rodeia. Não é para menos. O fotógrafo é o centro do seu universo.

Desde 2004 muito dedicado ao vídeo, d’Agata prossegue agora esse caminho, apesar de a fotografia ser a base dos inúmeros workshops que faz por todo o mundo. “Aka Ana”, filmada em Tóquio em 2006, foi a sua primeira longa-metragem e “Atlas”, datado de 2013, o seu último filme a chegar ao mercado. Neste momento trabalha na montagem de um outro vídeo de longa duração.

Já no que diz respeita aos livros que publicou e à parte dos seus trabalhos iniciais, “De Mala Muerte” e “Mala Noche”, publicados em 1998, destaque para “Stigma”, de 2004, e “Agonie”, de 2009.