Henrique Raposo

A tempo e a desmodo

Henrique Raposo

Roma versus Bizâncio

Contactos do autor

Esta questão polaca é mais importante do que o Brexit. Com ou sem sanções para Varsóvia, este episódio é só o início ou o fim do início de um processo que já é visível há muito: a rutura entre a Europa de Leste e a Europa ocidental. É de novo o choque entre Roma e Bizâncio, duas entidades com sensibilidades históricas e culturais distintas. E se este processo já era mais ou menos inevitável, a ausência moral e política dos EUA agravou a situação, até porque o vazio americano é ocupado cada vez mais por uma Moscóvia que se vê como herdeira de Bizâncio e - aos seus olhos - do verdadeiro ocidente. Não é por acaso que os estados de leste (Grécia incluída) olham cada vez mais para Moscovo enquanto modelo. Daqui a dez anos, a UE vai ser diferente não por causa do Brexit, mas por causa desta deriva que – na ausência dos EUA – é inevitável.

A UE está dividida entre Roma e Bizâncio. Só há um elemento capaz de reagrupar estas duas entidades, a América. A América porém atravessa uma longa divisão interna que a afasta da Europa e do mundo. Como diz o outro, winter is coming

Há dez anos, trabalhei com militares e diplomatas da Europa de Leste. O racismo sem filtros é uma marca destas pessoas. Membros da elite destes países têm comentários racistas que na Europa ocidental só existem na tasca da Le Pen. Os europeus orientais respondem ao 8 politicamente correto com um 80 de boçalidade racista. Criticam, e bem, o politicamente correto, mas respondem a esse veneno ocidental com um veneno de sentido inverso; desprezam a sensibilidade constitucional assente no direito natural e na irmandade paulina e/ou kantiana. A discussão das causas desta diferença fica para outra conversa, mas o efeito é evidente: se o ocidente romano está no pólo cosmopolita (sociedade, gesellschaft), o oriente bizantino está no pólo tribal (comunidade, gemeinschaft).

A par da questão tribal e rácica, há uma evidente separação ao nível da cultura política. A separação de poderes, o estado de direito, o habeas corpus e o próprio direito natural não são tão vincados a oriente. A ideia de uma soberania intocada, sagrada e com essa sacralidade corporizada num chefe encontra a oriente um terreno fértil. Porquê? A história da Polónia e demais países do oriente tem sido marcada por culturas políticas contrárias aos princípios republicanos da democracia liberal - o comunismo, o fascismo e o nacionalismo que combateu e destruir impérios cosmopolitas como o Império Austro-Húngaro. Aliás, repare-se como o nacionalismo que destruiu o império cosmopolita de Stefan Zweig é o mesmo nacionalismo que ameaça destruir o cosmopolitismo da UE.

Não tenham dúvidas: a UE é cada vez mais o império romano dividido entre Roma e Bizâncio. Só há um elemento capaz de reagrupar estas duas entidades, a América. A América porém atravessa uma longa divisão interna que a afasta da Europa e do mundo. Como diz o outro, winter is coming.