VIAGENS
Venderam o que tinham e foram-se embora: a inspiradora viagem de mãe e filha no outro lado do mundo. “Vamos?”
Era uma vez uma mãe e uma filha que viviam no centro de Lisboa e tinham uma vida absolutamente normal e rotineira. Até ao dia em que a mãe decidiu vender a casa, tirar a filha da escola e ir viver para o outro lado do mundo: “Vamos um ano para Bali? Vamos!”
TEXTO JOANA BELEZA
Marta tinha 42 anos e uma vida confortável em Lisboa - uma casa no centro, um trabalho por conta própria, vários projetos em mãos, muitos jantares com amigos e uma filha adolescente, a frequentar o 10º ano. “A Maria andava na escola, tinha a rotina de uma adolescente comum - atividades extracurriculares e aulas. Eu sempre trabalhei por conta própria, mas apesar disso a nossa rotina era absolutamente normal. Ou seja, tínhamos férias na altura em que todas as pessoas têm férias”, explica Marta agora que acaba de passar um ano inteiro de férias na Indonésia.
A verdade é que esta consultora de comunicação andava há vários anos com uma ideia na cabeça e em 2015 sentiu que tinha chegado a hora de a pôr em prática. Seis anos antes tinha feito uma viagem de trabalho a Singapura e aquelas duas semanas na Ásia foram o suficiente para voltar a Lisboa e começar a dizer à filha única que um dia gostaria de viver um ano com ela no Oriente.
“Falei logo com a Maria, mas o projeto ficou na gaveta, porque não é fácil fazer as malas e arrancar. Falámos mais algumas vezes e comecei a preparar as coisas. Fechei alguns projetos que tinha em mãos e um dia pus a casa à venda. Disse à Maria ‘se a casa se vender, vamos?’.” Vamos, disse a filha imediatamente. E a casa vendeu-se pouco depois.
Lisboa - Londres - Bali
Viajar sempre foi uma palavra conhecida no dicionário de mãe e filha. Com família espalhada pelos quatro cantos do mundo, desde os três meses de vida que Maria viaja para todo o lado com a mãe. Mas ficar sem casa para viajar durante um ano inteiro do outro lado do mundo era um projeto grande e arriscado, tão grande e tão arriscado que só contaram ao resto da família e aos amigos quando tinham tudo preparado. “Quando se tomam decisões assim, se contamos a muitas pessoas, começamos a vacilar. Quando dizemos as coisas com tudo construído, os outros conformam-se. Por isso tratámos primeiro de tudo e só dissemos quando já estava preparado. A família reagiu muito bem e o pai da Maria - do qual estou divorciada há muitos anos - também”, lembra Marta.
Na altura, Maria estava no início do secundário sem nenhuma vocação especial e nada entusiasmada com os estudos. Foi esse um dos grandes fatores que levou Marta a decidir que aquele era um bom ano para parar e largar tudo. Saíram de Lisboa em direção a Londres, para ver uns amigos acabados de se mudar para lá, e dali partiram para a Indonésia. Chegaram a 11 ou 12 de outubro de 2015 ao outro lado do mundo: “Levámos duas grandes malas com trinta e pouco quilos e voltámos com muito mais do que levámos. Queríamos ir despojadas, mas não conseguimos”. À sua espera tinham um irmão de Marta e um grande amigo “ e ao fim de uma semana a rede de contactos aumentou muito”.
Foram sem grandes planos mas tinham ideia de ficar dois meses em cada sítio. Não aconteceu assim. Fizeram casa em Bali (um leasing que terá uma duração de 20 anos) e dali andaram a viajar pela ilhas à volta: Gili, Lombok, Lembongan. Depois estiveram na Malásia, em Singapura e Timor, e pelo caminho foram alimentado um website com textos e fotografias de ambas. A Rua Alegre (ver AQUI http://ruaalegre.com/ ) é “um site feito à medida, em que ambas ocupamos um lado do ecrã. Escrevemos sem obrigatoriedade, como num diário de viagem”, explica Marta, que em tempos pensou rentabilizar o projeto. “Projetos como este site fazem parte do meu trabalho, mas neste caso faltou-me vontade para torná-lo comercial. Era uma viagem nossa, linda, maravilhosa. Tudo o resto seria um extra.”
Bali - Edimburgo - Japão
Marta tem agora 43 anos e nenhum plano concreto para o futuro. Um ano depois de ter partido para Bali sente que a filha amadureceu muito e é agora uma jovem mulher com “capacidade de se organizar e orientar em qualquer parte do mundo”. Mãe e filha concordam: Bali é “um sítio extraordinário para fazer amigos” e há sempre alguém disponível para ajudar os outros. Como daquela vez em que Maria viu um dragão enorme entrar em casa e uns balineses ajudaram a tirá-lo de lá.
“Bali é muito apaixonante. Começa-se logo a passear por praias e outras ilhas. É tudo muito bom, mas depois há uma necessidade de cidade, nós somos urbanas e por isso ficámos com vontade de ir a sítios com uma dinâmica mais acelerada. Não dava para ficar a vida inteira”, diz a mãe. Já a filha Maria imagina-se facilmente a viver “eternamente de férias”.
A aventura de mãe e filha terminou em setembro. Prestes a fazer 18 anos, Maria decidiu ir viver para Edimburgo, na Escócia, para casa de um irmão da mãe. Está lá a fazer um curso de culinária e a trabalhar em catering nos tempos livres. Muito mais focada do que há um ano, diz que se sente pronta a entrar na universidade. Vai fazer os exames nacionais em Portugal no verão e depois irá candidatar-se ao curso de cinema. “Agora tenho aulas online, depois talvez faça o curso de cinema em Londres ou Edimburgo, ainda não sei, não pensei muito nisso.” Para já, aproveita para conhecer melhor a capital escocesa e cumprir um sonho antigo - estudar culinária.
Marta, por sua vez, está no Japão. Depois da intensa aventura em Bali, a filha voltou para a Europa e a mãe sentiu “um vazio gigante”. Quis experimentar colaborar num projeto com jovens a troco de alimentação e alojamento e é isso que neste momento ocupa os seus dias.
Depois de um ano em viagem, aconselha todos os viajantes a não terem medo de partir, mas sobretudo a terem cuidado: “Protejam-se, tomem as vacinas, façam um seguro. A Maria teve uma apendicite precisamente no momento em que estávamos a trocar de seguro e gastei 5 mil dólares. Foi um grande azar, mas acabei por ter sorte, porque tinha aquele dinheiro comigo. Muita gente não o tem. Quando se viaja com filhos gasta-se muito mais dinheiro, porque não se correm os mesmos riscos, não é o mesmo que viajar sozinho. Nunca se esqueçam que são estrangeiros e protejam-se”.
As viajantes Marta e Maria realçam ainda a vantagem de toda gente ter hoje acesso à internet e apelam a que se façam sempre contactos prévios antes de viagens longas. “Procurem as redes sociais. Os grupos de portugueses no Facebook ajudam imenso”.
Agora que a aventura está feita, Marta e Maria pousam as malas em partes diferentes do mundo, mas não por muito tempo. Sem grandes planos, a grande certeza é que cada uma vai continuar a fazer a sua “rua alegre”.