O POEMA ENSINA A CAIR

MOVIDA A EMOÇÕES, E VERSOS

Maria Sousa lê poemas todos os dias porque precisa, é uma necessidade. Tem ainda uma editora de poesia e recebe em média cinco a dez propostas de autores por semana. Diz, no entanto, que uma das coisas que faz falta a toda a gente é ler mais versos: «acho que as pessoas têm medo da poesia porque é uma coisa incómoda, mexe contigo. É mais fácil ler uns livrinhos cor-de-rosa.»

TEXTO RAQUEL MARINHO VÍDEO JOANA BELEZA GRAFISMO VÍDEO JOÃO ROBERTO

«só o verde fala neste tempo de silêncio
somos gastos pelos ruídos do lado de fora das árvores

espera, pensei em folhas e a primavera explodiu‐me na boca»

Maria Sousa (1969) diz que a poesia não serve para nada mas que, ao mesmo tempo, se não a tivesse a sua vida seria um deserto: «se ela não existisse para me dar alguns abanões e algumas respostas para o que sinto, eu seria uma acomodada, e detesto ser acomodada.» Considera que as pessoas acomodadas não sentem, ou sentem de maneira diferente, porque estão «confortavelmente adormecidas, habituadas a um ritmo e a uma rotina» que rejeita. «É preciso fazer coisas», diz, coisas que nascem da emoção: «eu emocionei-me para começar um blogue, emocionei-me para começar a escrever, emocionei-me para fazer uma revista digital, emocionei-me para fazer uma editora. Sou movida a emoções.»

O blogue «There´sonly1alice», inspirado num disco de Tom Waits, foi criado em 2002 e publicava poemas, excertos de romance, e fotografias. Explica que foi por causa do blogue que começou a escrever «tardiamente»: «foi aí que comecei a ler mais poesia, e descobri a Pizarnik e a Anne Sexton e, não sei porquê, comecei a escrever.» Diz que no início usava muitos adjetivos o que levou até um amigo a chamar-lhe Maria Alegoria, e que esse registo foi mudando: «acho que a Pizarnik teve muita influência em mim porque ela depurava muito.»

Por causa dos poemas partilhados na blogosfera nasceu um convite de Diogo Vaz Pinto, editor da Língua Morta, para publicar numa revista de poesia chamada Criatura. De seguida, na mesma editora, Maria Sousa publicou o primeiro livro «Exercícios para Endurecimento de Lágrimas». «Há quem diga que a minha poesia é doméstica por ser muito enclausurada entre quatro paredes. É uma poesia muito íntima e muito emocional. Todos os meus poemas, pelo menos a mim, parecem-me cristalizações de momentos, e são momentos confinados à casa». Se perguntamos porquê, a resposta vem simples: «não sei, é o que escrevo, é a minha voz.»

Começou a escrever tarde mas foi na adolescência o primeiro embate com a poesia. Não na escola, «no liceu só estudamos aquilo que nos mandam e aprendemos a dissecar a poesia e isso não emociona ninguém», mas com um filme e um poema específico: «a primeira vez que me emocionei com um poema foi aos 14 anos com Os Marginais. Há lá uma cena em que eles estão a dizer um poema do Robert Frost e acho que foi a primeira vez que eu vi através de um poema dizerem que a vida é efémera e que não pode ficar dourada para sempre. Eu tinha 14 anos e fiquei ali um bocado presa àquela ideia.»

Nature’s first green is gold,
Her hardest hue to hold.
Her early leaf’s a flower;
But only so an hour.
Then leaf subsides to leaf.
So Eden sank to grief,
So dawn goes down to day.
Nothing gold can stay.

Estudou Línguas e Literaturas Modernas porque «gostava de inglês e gostava de literatura» mas explica que «isso não serviu em nada para gostar de poesia ou para escrever poesia.»

Atualmente, precisa de ler poemas todos os dias. De tal modo que traz sempre na carteira um livro de poesia e diariamente, como um ritual, começa o dia a ler no Café Santa Cruz em Coimbra: «O Santa Cruz é muito emblemático para mim porque foi lá que escrevi os meus dois primeiros livros. Gosto de cafés parados no tempo.»

Na editora Do Lado Esquerdo, criada em 2011, publicou onze poetas portugueses, mas diz receber originais de muita gente: «recebemos uma média de cinco a dez propostas por semana mas só publicámos três livros. O resto são imitações do Herberto, do Al Berto, do Pessoa, ou da Florbela Espanca. Digo-lhes sempre, procurem a vossa voz, não imitem.»

Como editora de poesia vê com bons olhos o crescimento das publicações das editoras dedicadas à poesia «porque se descobrem grandes poetas» embora considere que «em Portugal escreve-se mais do que se lê.»

Diz que uma das coisas que faz falta a toda a gente é, precisamente, ler poesia mas reconhece que a evitam. «Acho que as pessoas têm medo da poesia porque é uma coisa incómoda, mexe contigo. É mais fácil ler uns livrinhos cor-de-rosa.»

A poesia serve para quê?

Serve para nos melhorar os dias.

Deve saber vários versos de cor. Qual o primeiro que lhe vem à cabeça?

Manhã/ Ilumino-me de imenso. Ungaretti

Se não fosse poeta português (ou de outro país) seria de que nacionalidade?

Acho que seria americana com uma costela argentina.

Um bom poema é...

Aquele que me faz bater o coração mais depressa.

O que o comove?

As canções do Tom Waits, e cafés parados no tempo.

Que poema enviaria ao primeiro-ministro português?

“As pessoas sensíveis” da Sophia de Mello Breyner Andresen.

Por sua vontade, o que ficaria escrito no seu epitáfio?

Fui ali comprar cigarros.