PERIGO O alerta sobre o novo perigo dos implantes foi lançado esta semana em França FOTO D.R.

PERIGO O alerta sobre o novo perigo dos implantes foi lançado esta semana em França FOTO D.R.

SAÚDE

Implantes mamários associados a cancro raro

Há um cancro que está a assustar as mulheres com implantes mamários. E quem colocou próteses por uma questão estética corre maior risco.

TEXTO ALEXANDRA SIMÕES DE ABREU

Assim que a amiga lhe contou o que tinha lido nos jornais sobre um cancro que está associado ao uso de próteses mamárias, Cláudia Piorro telefonou a um amigo jornalista para saber se tinha mais informações sobre o assunto. “Acabei de colocar os segundos implantes. Foi há 15 dias. Ia morrendo por causa das primeiras próteses e agora mais esta notícia... Fiquei aflita”, explica Cláudia, esteticista, de 35 anos.

Linfoma anaplásico das grandes células (LAGC). É este o nome do cancro que está a assustar as mulheres que colocaram implantes mamários ou estão a pensar fazê-lo. É que, pela primeira vez, foi assumida uma relação causa-efeito entre o uso daquele tipo de próteses e o aparecimento do raro cancro.

A correlação foi assumida esta semana, no jornal “Le Parisien”, pelo diretor da Agência Nacional de Segurança do Medicamento (ANSM) francesa, François Hérbert, ao revelar que, nos últimos três anos, houve 18 casos deste tipo de cancro em mulheres com implantes. Uma delas acabou por falecer.

Hérbert afirmou que, numa primeira fase, é importante “os médicos alertarem as pacientes para este novo risco” e que no final do mês “vai ser traçado um plano” para saber se é necessário ir mais além dentro da regulamentação já prevista. “Se tivermos de proibi-las é o que faremos”, avisou.

O único alerta que Cláudia Piorro recebeu foi para a possibilidade de rejeição das próteses, quando lhe foram colocados os primeiros implantes, há nove anos. “Decidi pô-los porque emagreci 14 kg em duas semanas devido a depressão pós-parto e como sou uma mulher alta fiquei completamente 'lisa'. A minha autoestima estava muito em baixo e por isso quis aumentar o peito”, justifica-se. Na altura as clínicas da Corporácion Dermoestetica estavam em todo o lado e foi a uma delas que Cláudia recorreu, pagando €6.300 pelos implantes.

NOVO PROBLEMA O problema agora detetado tem a ver com o revestimento do implante, e não com o conteúdo FOTO D.R.

NOVO PROBLEMA O problema agora detetado tem a ver com o revestimento do implante, e não com o conteúdo FOTO D.R.

Até que, em outubro passado, começou a sentir dores na mama direita e resolveu ir à medica de família. “Fiz uma ecografia mamária, detetaram três ou quatro quistos e vestígios de prótese”. A médica, diz Cláudia, fez um “pedido urgente para consulta da mama” no hospital de Aveiro, mas quando a esteticista viu a data marcada (7 de abril deste ano), resolveu agir. Procurou os serviços do cirurgião plástico Ribeirinho Soares, no Porto. “Fui lá em novembro e ele disse-me logo que o implante direito rebentou no dia em que foi colocado e que mais dois meses assim e podia ter uma septicemia que me levava à morte”.

Depois de uma cirurgia em janeiro para retirar os velhos implantes, Cláudia acabou por colocar novas próteses no dia três deste mês. Para as pagar contraíu um empréstimo, €4.000. “Senti uma enorme revolta. Podia ter morrido por um erro que não cometi. Ainda fui à Corporácion Dermoestetica, mas a garantia vitalícia que me tinham dado, como foi só de boca, não serviu de nada. Ainda por cima anunciaram falência na véspera de eu colocar os segundos implantes”, lembra.

Como se não bastasse o “pesadelo” que viveu nos últimos cinco meses, em que chegou a temer pela vida, Cláudia voltou a sentir medo quando esta semana foi alertada para o novo tipo de cancro relacionado com implantes mamários. “Nunca fui avisada de nenhum tipo de risco”, garante.

O risco é muito pequeno, diz responsável português

Nuno Miranda, coordenador do Programa Nacional das Doenças Oncológicas, adianta que, apesar das noticias vindas a público, não há motivo para entrar em pânico. “O risco é muito pequeno. Existem, que se saiba, cerca de 180 casos em todo o mundo”, recorda. Em França, os 18 casos surgem num universo de 400 mil mulheres que colocaram implantes. Estudos feitos nos EUA dizem que apenas são diagnosticados LAAG no peito em três mulheres em 100 milhões.

Pouco se sabe ainda sobre este linfoma anaplásico das grandes células. A única certeza é que este cancro raro só surge em mulheres com próteses, uma vez que se trata de “uma reação inflamatória por uso continuado de um corpo estranho”, explica Nuno Miranda.

Muitas suposições, poucas certezas

O que acontece é a formação de “uma cápsula em contacto com o implante e que tem um liquido rico em glóbulos brancos, que estão a ser estimulados continuamente”. Estes “caroços” manifestam-se de duas formas. Ou estão encapsulados à volta da prótese, “com uma componente líquida e que normalmente tem um bom prognóstico”, ou aparece uma “massa de linfoma sólida, que normalmente tem um prognóstico pior do que os outros”, adianta.

Já se sabe também que “as próteses maiores provocam maior risco do que as mais pequenas. Assim como, as próteses texturadas também aparentam maior risco do que as lisas”.

Por outro lado, as que foram “colocadas por motivos estéticos têm também um risco maior” que as colocadas em pacientes oncológicos, não só “devido ao efeito tempo, uma vez que as põe muito novas e tem-nas mais tempo”, mas sobretudo porque os tratamentos de quimioterapia e radioterapia fazem com que a reação inflamatória seja mais pequena. “Mas são ainda tudo suposições. Não sabemos se é verdade. Há muito estudo para fazer”, avisa Nuno Miranda.

Por outro lado, o cirurgião plástico Tiago Baptista Fernandes afirma que os estudos levados a cabo Food and Drug Administration (FDA, agência norte-americana da alimentação e medicamentos) não provaram que haja alteração na incidência de cancro entre mulheres com implantes e sem implantes e lembra que “a incidência de cancro de mama é de uma em cada sete a nove mulheres”. “Quando falamos de 18 casos em 400 mil, é uma ínfima parte sem valor estatístico relevante”, sublinha.

O problema é do revestimento

Dos 18 casos franceses chegou-se à conclusão que os linfomas foram descobertos entre os 11 a 15 anos após a introdução dos implantes, em mulheres com idades compreendidas entre os 42 e os 83 anos. Só num dos casos foi diagnosticado apenas dois anos após a colocação.Verificou-se ainda que dos 18 casos, 14 tinham próteses produzidas pelo fabricante Allergan, empresa que tem atualmente 30% de quota no mercado francês em matéria de próteses mamárias. De acordo com os especialistas, o problema do implante não se encontra no conteúdo que pode ser de silicone ou salino (soro fisiológico), mas sim no revestimento do mesmo.

Inquérito nacional com resultados dentro de duas semanas

Não há registo de casos com este tipo de cancro em Portugal. Nuno Miranda garante que falou com vários especialistas e “a estimativa é que possa haver menos de 10 casos”. Isto porque “este tipo de cancro é uma subclassificação de linfoma e ainda não existe como entidade. Por isso não há uma classificação clara dos casos”, argumenta. No entanto, a Organização Mundial de Saúde “deverá incluir o linfoma anaplásico das grandes células na sua próxima revisão”.

Em Portugal, até aos casos das próteses PIP (o fabricante francês Poly Implant Prothèse trocava o gel autorizado por outro mais barato, o que frequentemente causava a rutura dos implantes), não havia registo obrigatório dos implantes e mesmo agora é difícil conhecer os números reais uma vez que a grande maioria dos implantes estéticos é feito no privado. Em França, por exemplo, das 400 mil mulheres que se submeteram a operações para a colocação de implantes mamários, 83% fizeram por motivos estéticos.

Nuno Miranda adiantou entretanto ao Expresso que “vai ser realizado um inquérito nacional, nos setores público e privado, para saber se existe algum caso concreto. Devemos ter os resultados dentro de duas semanas”.

Por enquanto, garante não existir motivo para propor a retirada dos implantes e a sua proibição. “O próprio governo francês mostrou ser muito cauteloso e não propõe medidas drásticas”, exemplifica. Até porque, retirar as próteses também tem riscos associado, pois “não deixa de ser outra intervenção, com anestesia”.

Mas diz ser importante que os médicos “passem a informar as mulheres deste novo risco” e que estas continuem a estar atenta aos sinais - através da apalpação do peito - e se submetam a vigilância medica regular.

Para o cirurgião Tiago Baptista Fernandes não faz sentido haver uma alteração da conduta medica. E explica com um exemplo: “Quando um medico prescreve um paracetamol a um doente não lhe vai dizer na consulta que pode vir a desenvolver síndrome de Lyell. Os riscos têm de vir na bula, mas chamar a atenção de uma situação dessas não faz sentido porque senão ninguém tomava paracetamol. Ou seja, é preciso perceber que estamos a falar de casos muito raros”.

O coordenador do Programa Nacional das Doenças Oncológicas concorda com o facto de a informação sobre este cancro ser ainda “muito frágil”, assume que é preciso “analisar as marcas, os tamanhos, os anos de implante” e conclui: “Há muito para estudar e isso tem de ser feito a nível internacional”.

Cláudia diz-se mais “aliviada” depois de obter estas informações, ainda assim, na próxima consulta com o médico que lhe colocou os segundos implantes, promete fazer muitas perguntas, até porque os seus implantes, velhos e novos, são da Allergan.