BANCA
Capitalização da CGD pode ficar pela metade
FOTO NUNO FOX
Já se disse que a capitalização da Caixa poderia chegar aos cinco mil milhões de euros, mas fontes do mercado admitem que poderá ficar-se apenas pela metade, pouco mais de dois mil milhões de euros. António Domingues mantém que só assume a liderança do banco público quando tiver a certeza que a capitalização não é considerada ajuda de Estado. O BCE já deu ‘luz verde’ aos nomes para a administração escolhidos por Domingues
TEXTO ANABELA CAMPOS e JOÃO VIEIRA PEREIRA
A Caixa Geral de Depósitos (CGD) está a viver um verão quente. Aguarda o sim de Bruxelas à injeção de dinheiro público e a aprovação final pelo Banco Central Europeu (BCE) da nova administração, que será liderada por António Domingues, ex-vice-presidente do BPI. O processo está embrulhado. Quanto precisa afinal o banco público para a sua capitalização? Que montante irá Bruxelas e a Direção-Geral da Concorrência Europeia (DG Comp) autorizar? Os bancos concorrentes da Caixa estão muito atentos ao dossiê. E o BCP já fez saber na Comissão Europeia que se houver dinheiro do Estado para limpar as contas da CGD quer um tratamento idêntico. A pressão sobre as autoridades é grande.
“Relativamente à capitalização (da Caixa), o valor será apurado após a entrada em funções da nova administração, sustentado na auditoria já anunciada pelo Governo e em função das negociações em curso”, esclareceu esta segunda-feira o Ministério das Finanças. A imprensa tem apontado para uma capitalização entre os 4 mil milhões de euros e os 5 mil milhões de euros, mas os últimos testes de stresse mostravam que a Caixa precisava de apenas 2 mil milhões de euros para cumprir os rácios de solidez. Este é um dos pratos fortes da negociação entre as autoridades portuguesas e a Comissão Europeia, nomeadamente a DG Comp. Fontes de mercado ouvidas pelo Expresso admitem que não será fácil justificar uma capitalização muito superior a este montante. Margrethe Vestager, a comissária da Concorrência, já fez saber que a injeção de capital na CGD tem de ser feita de acordo com os princípios da economia de mercado. Ou seja, terá de ser um montante idêntico ao que um eventual investidor privado estaria disponível para injetar no banco público.
O Expresso confirmou que os nomes propostos pelo Governo para a Caixa terão a luz verde do BCE. Ou seja, não serão vetados nomes, ao contrário do que tem sido dito
Muito em breve ficar-se-á a saber quais são os rácios de solidez exigidos pelo BCE para 2017. Os testes de stresse dos grandes bancos europeus serão conhecidos a 29 de julho. Paralelamente serão feitos outros testes a bancos de menor dimensão, onde se inclui a Caixa, e um deles é o Private Market Investor Test. Daqui sairá um valor que poderá servir de referência para a capitalização da Caixa.
Uma coisa é certa, todo e qualquer dinheiro injetado no banco público não pode ser considerada ajuda de Estado. Isso levaria a implicações sérias para o futuro da Caixa e de alguns dos seus credores seniores de acordo com as novas regras do BCE.
António Domingues, o futuro presidente da Caixa, tem dito que só assumirá a liderança do banco público quando este estiver capitalizado. A atual administração da CGD, presidida por José de Matos, já manifestou a sua vontade de ficar apenas até ao final deste mês.
Nomes da administração aprovados pelo BCE
O Ministério de Mário Centeno assegurou esta segunda-feira que não houve qualquer veto do BCE a propostas apresentadas pelo Governo, nomeadamente sobre os nomes apontados para a nova administração da Caixa. O Expresso confirmou junto de outras fontes que os nomes propostos pelo Governo para a Caixa terão a luz verde do BCE. Ou seja, não serão vetados nomes, ao contrário do que tem sido dito. No mercado corriam rumores insistentes sobre o chumbo a Leonor Beleza e Bernardo Trindade, mas tal é “mentira”, segundo uma fonte próxima do processo. O “Jornal de Negócios” falou esta segunda-feura num novo nome para conselho de administração da CGD: Carlos Tavares, o presidente do grupo PSA Peugeot Citroen.
O tema saltou esta segunda-feira para a ribalta depois de Marques Mendes ter dito na SIC que o BCE tinha vetado alguns nomes da lista proposta pelo Governo para a Caixa e exigia um novo plano de recapitalização para o banco público. As Finanças reagiram. E lamentaram que tenha sido noticiada por Marques Mendes a carta enviada pelo BCE, a 8 de junho, à administração da Caixa Geral de Depósitos, a propósito do processo de capitalização do banco público. "A divulgação de cartas entre entidades europeias e a CGD não contribui de forma positiva para a resolução de questões que são determinantes para o futuro da CGD", lê-se numa resposta enviada pelas Finanças ao Expresso.
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Tanto o BCE quanto a Comissão têm apoiado o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido Ministério das Finanças
As Finanças asseguraram ainda que o BCE não vetou nenhuma das propostas do Executivo. “Como é do conhecimento público, o Governo encontra-se, enquanto acionista, a avaliar e a discutir com as entidades europeias a substituição do conselho de administração da CGD e o seu plano de capitalização. Estas conversações têm evoluído de forma construtiva”. E prossegue: “Tanto o BCE quanto a Comissão têm apoiado o trabalho que tem vindo a ser desenvolvido, não tendo havido qualquer veto às propostas apresentadas pelo Governo, designadamente o veto a nomes propostos. Nem qualquer exigência ou apresentação de um plano alternativo”.
Marques Mendes afirmou na SIC que o BCE pretendia que fosse apresentado um plano de capitalização e vetava alguns dos nomes propostos, defendendo que a Caixa teria de ter um presidente executivo e um presidente do conselho de adminstração. António Domingues, segundo informação pública, irá acumular os dois cargos.
ORÇAMENTO
Os números que Costa já reviu
FOTO MARCOS BORGA
Centeno tinha avisado. Défice e economia: quais são as previsões que devemos seguir?
TEXTO Helena Pereira
Mário Centeno tinha avisado no final de junho: o cenário macroeconómico deste ano teria que ser revisto. Na altura, António Costa tentou corrigir o ministro mas agora, através da carta que o Executivo mandou hoje para Bruxelas, já é claro - quatro meses depois da aprovação do Orçamento do Estado de 2016, o Governo altera algumas das principais metas estabelecidas.
E que números são esses?
1,8%
No OE 2016, o Governo prevê que a economia cresça 1,8% em 2016. Nas previsões económicas da primavera, a Comissão Europeia considerou tal previsão muito otimista e calculou um número diferente, 1,5%.
Na carta enviada a Bruxelas esta segunda-feira, o ministro das Finanças, Mário Centeno, admite que o Governo vem agora aproximar-se das estimativas da Comissão Europeia e aponta o número de 1,4% alertando para os riscos macroeconómicos externos, nomeadamente o Brexit e a situação económica de países como Angola ou o Brasil.
2,2%
É este o valor fixado para o défice deste ano pelo Governo, um número em que também a Comissão Europeia não acreditou. Apontou um valor bem mais alto: 2,7%. Alguns membros do Governo, como a ministra da Presidência, Maria Manuel Leitão Marques, já veio admitir (em entrevista ao Expresso na última edição semanal) que mesmo que seja superior, e desde que fique abaixo dos 3%, será "uma grande vitória" para o Governo. O caminho para a sua revisão já está feito. De acordo com o relatório que acompanha as alegações fundamentadas de Portugal no âmbito do processo de apuramento de sanções, enviadas esta segunda-feira a Bruxelas, o Governo admite os 2,3%. As razões são as mesmas da revisão do crescimento da economia: os fatores externos.
Entre os riscos identificados, lê-se, estão o "Brexit [a saída do Reino Unido da União Europeia] e os relativos aos amplos choques negativos que afetam parceiros comerciais importantes e que eram anteriormente dinâmicos, nomeadamente Angola e Brasil".
0,4%
No Programa de Estabilidade entregue em abril em Bruxelas, o Governo português comprometia-se a fazer uma redução do défice estrutural de 0,4%. O que é o défice estrutural? É o indicador que mede o equilíbrio das contas públicas se fosse eliminado o efeito do ciclo económico na receita e na despesa bem como as medidas extraordinárias. Para Bruxelas, é um dos critérios principais para a avaliação do esforço de consolidação, embora não seja um cálculo sagrado, mas antes sujeito a discussão política em alguns casos sobre que medidas que devem ou não ser tidas em conta.
De qualquer forma, a promessa do Governo já foi revista e na carta enviada esta segunda-feira este compromete-se a aumentar o esforço de consolidação orçamental para 0,6. Com isto, Mário Centeno pretende convencer Bruxelas que o atual Executivo está empenhado em não descurar o controlo das contas.
No final de junho, Mário Centeno assumia em entrevista ao jornal “Público” que o Governo iria rever o cenário macroeconómico porque a economia não ia crescer como previa no início do ano. O ministro das Finanças defendeu mesmo que para chegar a um crescimento anual de 1,2% (números da OCDE, a previsão mais baixa que existe para a Portugal), seria “necessário alguma aceleração da atividade económica ao longo do ano”.
Aos jornalistas, o primeiro-ministro tentou corrigir o ministro, admitindo que poderá ser necessário fazer “alguma atualização sobre evoluções futuras da economia portuguesa” mas apenas em outubro, na altura da apresentação da proposta de Orçamento do Estado para 2017. Quanto a 2016, “os dados estão lançados”, garantia António Costa. “Nós não vivemos de previsões, vivemos de realidades (…) Claro que o cenário internacional pode levar a que em outubro, quando apresentamos o OE de 2017, possa ser necessário fazer alguma atualização sobre evoluções futuras da economia portuguesa. Quanto a 2016, creio que os dados estão lançados e, felizmente, dão contas certas”, assegurou António Costa em Bruxelas, à saída da reunião do Conselho Europeu, dia 29 de junho.
Mais cedo do que o previsto, porém, o Governo corrige os números. Veremos se serão estes os números que figurarão no Orçamento para 2017 apresentado em outubro ou se, por sua vez, ainda serão revistos.