Henrique Monteiro

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Henrique Monteiro

Gentil Martins: Um dia a debater com surdos

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Passei o domingo agarrado ao ‘twitter’ por causa de uma entrevista que Gentil Martins deu ao Expresso. Posso dizer que é a primeira vez que um médico me fez mal à saúde. Não pelo que disse, mas pelo que despertou. Há um lado inquisitorial em muita gente, um lado surdo, incapaz de debater sem insultar, incapaz de se centrar no essencial. Eu já sabia que muito das redes sociais são assim, mas tive uma recaída…

Face a umas declarações sobre a homossexualidade, que considerou “uma anomalia” e "um desvio de personalidade", surgiram dois tipos de reação: uma, a de que o Expresso nunca deveria ter entrevistado Gentil Martins (não reconhecendo uma carreira de sucessos que, como sublinhou o jornalista e um dos autores da entrevista, Nelson Marques, o levou a ter este ano os prémios da Direção Geral de Saúde e da Liga Portuguesa contra o Cancro); outra linha foi a da queixa à Ordem dos Médicos pelo conteúdo das declarações.

Face a isto fiz quatro ‘tweets’.

1) “Gentil Martins pode ser o maior reaça e homofóbico do mundo. Mas veio mostrar que nas cabeças de muita gente existe o crime de opinião”.

2) “Ora, o crime de opinião só o conheci no tempo da PIDE e não é coisa que deseje ver de novo”.

3) “Se discriminou alguém em função de preferências ou orientações sexuais deve ser punido. Por dizer o que pensa, nunca”

e 4) “Voltaire disse: posso não concordar contigo, mas bater-me-ei sempre pela possibilidade de o poderes expressar. É o espírito”.

Face a isto houve várias e distintas reações. De apoio; críticas, mas sérias; incompreensíveis ou destituídas e, finalmente, totalmente insultuosas. Porquê estas últimas? Vá lá saber-se. Tirando não ser da tribo de quem as faz, não percebo onde as minhas palavras insultam alguém.

As de apoio são, digamos, rápidas. As pessoas sinalizam que gostam e, algumas retransmitem a ideia para os seus seguidores. As sérias, merecem debate, ainda que às vezes claramente descentrado do tema como, por exemplo, saber se foi Voltaire que disse ou não a frase que eu refiro; de facto há uma controvérsia, mas o espírito de Voltaire está condensado na frase; há ainda os que entendem que o problema de Gentil Martins é ser médico e não poder dizer coisas anticientíficas. Chegou-se ao ponto de se questionar se um médico pode acreditar em milagres, como se um médico não pudesse ser devoto de uma religião. Bem, mas aqui ainda estamos no que considero, mais ou menos, críticas, mas com intuitos sérios, de debate, embora quem questione este tipo de questões jamais questione em contrapartida se um médico pode defender a eutanásia. Aproveito para dizer que a minha resposta é sim para qualquer caso.

A liberdade de expressão pressupõe responsabilidade. Mas não pressupõe ouvirmos apenas aquilo com que concordamos

O problema é que metade, ou mais, ou são – perdoe-se a expressão – destituídas de senso ou carregadas de insultos. O meu crime foi não me ter solidarizado com quem fez queixa de Gentil Martins. Eu também escrevi “Não estamos a discutir a crítica a opiniões. Mas o apelo à queixa e à censura dessas opiniões”. Ainda assim, há quem diga: “confunde-se liberdade de expressão com racismo, xenofobia ou discriminação”. Ou diretamente insultuoso: “se vivesse nos EUA, nos anos 60 Henrique Monteiro estaria a insurgir-se contra o ataque ao direito de expressão dos racistas segregacionistas”.

Não vou voltar à discussão. Quero apenas deixar uma nota. A liberdade de expressão pressupõe responsabilidade. Mas não pressupõe ouvirmos apenas aquilo com que concordamos. Eu nunca usaria o termo ‘anomalia’ para me referir a homossexuais, mas acho que há o direito de a usar. Tem de haver, sob pena de a sociedade não permitir toda a diversidade. Digo mais: eu nunca na minha vida defendi racistas e menos ainda segregacionistas. Pelo contrário – sempre defendi políticas de fronteiras abertas para os imigrantes, que há racismo forte em Portugal e que a discriminação baseada na etnia campeia. Quem quiser vá à Internet procurar o que escrevi sobre o assunto. Mas não concordo que as vozes dos racistas sejam silenciadas à força. Não resulta, como se sabe. Depois da eleição de Trump, a turma politicamente correta podia ter aprendido que a abertura e o debate sem tabus pode ser a mais eficaz forma de defender a democracia. O problema é que basta alguém sair da cartilha que eles próprios imaginaram, para correrem para as instituições a queixar-se das opiniões dos outros.

São surdos, são cegos pelo dogmatismo (curiosamente nunca acharam que livros de Lenine, Estaline, Mao ou outros fossem apelos à violência e por tal – em conformidade com as suas teses – devessem ser proibidos). Não entendem que a verdade científica pode ser refutada – com ou sem sucesso – mas só se estabelece enquanto resiste à refutação. Proibir a sua refutação é o meio de impor um racionalismo dogmático, em tudo oposto ao racionalismo crítico.

Enfim, dito numa frase: não há paciência!