AMBIENTE

“As pessoas têm de acreditar que há algumas coisas a acontecer”: porque foi feito o segundo alerta à Humanidade

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É preciso mudar. É fundamental mudar. É urgente mudar. Porque depois pode não haver nada para mudar. Não é por acaso que insistimos na repetição porque não é por acaso que o mundo viu esta semana 15 mil cientistas a renovarem o aviso sobre os riscos ambientais da ação do homem. O mundo não está a aguentar connosco porque nós não estamos a aguentar com a responsabilidade de tratar devidamente do mundo. Cristina Branquinho, professora da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e investigadora do Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, faz parte dos 15 mil cientistas que subscrevem o “Aviso dos cientistas do mundo à Humanidade: um segundo alerta”, publicado pela revista “BioScience”. É preciso ouvir o que ela tem para dizer

Texto Marta Gonçalves

Por que motivo que se associou a este aviso?

Acho que só o número de pessoas pode alertar os media, os governos e a população em geral. Tem uma atenção diferente daquela que tem um artigo assinado por quatro ou cinco autores. Além disso, subscrevi porque concordo com o objetivo do artigo. É uma questão que interessa a todos, mas para a qual não conseguimos chamar a atenção em geral.

O artigo diz que se trata de um “aviso à Humanidade”. Que aviso é este?

Estamos a destruir a natureza e os ecossistemas e é a natureza que nos suporta e fornece recursos. Quando a destruímos, estamos também a destruir-nos. Essa é a mensagem: não está em causa a Terra como um recurso natural, está em causa a espécie homo sapiens sapiens. Por isso, trata-se de um aviso à Humanidade.

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Porque surgiu agora este novo aviso?

Em 1992 houve um primeiro aviso, uma tomada de posição quando começou a existir uma maior consciência dos limites da Terra. Agora surge novamente porque é o 25º aniversário do primeiro alerta dos cientistas. 25 anos depois, não se vê grandes diferenças nas ameaças em relação à Humanidade. A única exceção é no ozono estratosférico [camada de ozono], que atualmente está estável e em 1992 estava a diminuir. Todos os outros assuntos colocados há 25 anos continuam a ser problemas. Mesmo que localmente, com os avanços tecnológicos, se tenham resolvido algumas questões, ao nível global ainda não estão tratados. Em alguns casos, as ameaças que foram resolvidas localmente, com o aumento da população e da temperatura, tornaram-se maiores e mais intensas. Por exemplo, a desflorestação parou na Europa, mas isso não chega. Atualmente, há mais energias alternativas, no entanto há mais pessoas e, consequentemente, maior consumo de energia per capita. Estamos numa era a que as pessoas chamam ‘antropoceno’ [período em que as atividades humanas começam a ter um impacto significativo no clima do planeta e no funcionamento dos ecossistemas]. Isso tem que ver com o facto de a natureza ser sobretudo afetada por aquilo que o Homem faz e não pelo fenómeno natural das glaciações.

Referiu que existiram melhorias a nível local. Em Portugal, quais foram os progressos?

Claramente diminuiu a poluição, sobretudo a industrial - porque a lei também a isso obriga. Apesar de termos muito mais barragens do que em 1992, este ano estamos a ter problemas com a falta de água para abastecimento humano, o que já não acontecia há muito tempo. Muitas vezes, aquilo que pensamos ter resolvido não está, porque as ameaças continuam muito maiores. Por isso, temos de estar sempre um passo à frente daquilo que vai acontecer. Depois, abandonámos a floresta, que não foi gerida, e estamos menos dependentes do petróleo, embora o façamos à custa da água. A acidificação dos oceanos é agora um problema maior do que era há 25 anos, que leva a muitas alterações no ecossistema. Em 1992, o crescimento populacional estava na base do pensamento. Estamos a assistir a um crescimento exponencial e não é possível que a Terra continue a ter capacidade de carga para conviver com tantas pessoas mais o seu consumo.

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No artigo é sublinhada a necessidade de limitar a reprodução…

Esse é um assunto mais social. Em todas as sociedades onde as mulheres começaram a estudar até mais tarde, houve uma redução natural da reprodução. A melhor forma de reduzir a população em determinados locais é educando as mulheres, o que tem uma série de fatores associados (começam também a trabalhar e participar na economia, incentivam a educação também das filhas…). A educação fará com que haja uma redução a nível global, no entanto sabemos que a nível local, como na Europa, temos uma população envelhecida.

Mas como se pode dizer que é preciso controlar a natalidade quando em vários países a população é maioritariamente idosa? Como se faz esse equilíbrio?

Os assuntos são globais ou locais. A imigração na Europa seria uma forma de solucionar a questão, mas sabemos bem como está a ser tratado esse problema. Naturalmente diria que a imigração é a forma mais rápida de resolver a questão, mas tem muita resistência. Uma vez que existem zonas no mundo onde há excesso de população, seria muito fácil contrabalançar isso… uma espécie de vasos comunicantes no mundo. O problema é que o mundo tem cidades, culturas e religiões… Estamos a travar a entrada de imigrantes na Europa, quando seria esperado que estivéssemos a fazer o contrário, para um maior balanço e equilíbrio.

As pessoas gostam de não ter problemas e, às vezes, é mais fácil acreditar no médico que diz que isto se resolve rápido do que aquele que diz que vai ser complicado

Pode ler-se no artigo que “em breve será demasiado tarde”. Quando é este em breve? É possível calcular quando chegaremos a um ponto sem retorno?

No Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais, um dos tópicos que temos estudado são os chamados ‘limiares de não retorno dos ecossistemas’, ou seja, quando perdemos as características de um ecossistema e já não as conseguimos recuperar a não ser que seja com muito, muito dinheiro. Não é possível reconstruir um ecossistema desde o início. Tentou-se fazer uma segunda biosfera, tentou-se fazer um ecossistema completamente artificial, mas não foi possível mantê-lo. Quer dizer que não conseguimos fazer aquilo que a natureza faz sozinha. Por exemplo, nos anos 80, no deserto do Sahel, em África, houve um conjunto de secas acumuladas e a capacidade de carga da natureza não conseguiu comportar a população que ali vivia. Houve muita mortalidade devido à fome e emigração. Neste caso, dizemos que para aquele período e para aquele local já foi tarde demais. A não ser que haja uma catástrofe planetária, isto não vai acontecer a nível global. No entanto, haverá ecossistemas que vão perder capacidade. Em Portugal, nos locais dos fogos vamos perder anos e anos de acumulação de nutrientes, que vão parar aos rios e mares quando começarem as chuvas. São dezenas e centenas de anos em que houve acumulação de matéria orgânica nos solos, que é necessária para acumular águas nos solos e não serem tão desertificados. O que é limite do ecossistema? É quando o ecossistema deixa de produzir aquilo que costumava produzir.

A política governamental é importante para reverter a situação e incentivar a mudança de comportamentos. Como é que vê que alguns políticos ainda neguem a existência das alterações climáticas?

Vejo com muita dificuldade. Nos Estados Unidos, as pessoas elegeram de uma forma aparentemente democrática uma pessoa que nega a existência das alterações climáticas e, sinceramente, não sei muito bem como ver isso. Artigos como que agora publicamos têm a função de alertar a sociedade e mostrarem às pessoas que alguém que diga o contrário não está correta. Este artigo tem esse objetivo: ter impacto. E se há tantos cientistas que subscrevem um aviso destes, as pessoas têm de acreditar que alguma coisa está a acontecer. As pessoas gostam de não ter problemas e, às vezes, é mais fácil acreditar no médico que diz que isto se resolve rápido do que aquele que diz que vai ser complicado.

Temos de escolher democraticamente pessoas que tenham uma visão da sustentabilidade

O que é acontece se não mudarmos os comportamentos?

É a pobreza. Porque quando os ecossistemas não nos dão água limpa, solo fértil ou ar puro, vamos ter pobreza e menor qualidade de vida. Do ponto de vista da população, com os fatores climáticos extremos (cheias, furacões, secas…) a serem cada vez mais intensos, haverá maior suscetibilidade, podemos ter uma maior mortalidade. O clima será mais extremado.

O que é que cada um de nós pode fazer?

Além de escolher democraticamente pessoas que tenham uma visão da sustentabilidade, porque senão não vamos deixar uma terra semelhante às gerações futuras, é ter a noção que individualmente podemos fazer a diferença. Temos de ter atenção e gastar menos recursos. Não vale a pena apontar o dedo a um conjunto de governantes, mas temos de ter capacidade de exigir que tomem medidas sustentáveis a longo prazo. Enquanto nas aldeias há uma espécie de legado, agora com a rutura que há entre gerações, muitas vezes não há uma passagem de legado, ou seja, aquilo que destruímos na geração seguinte não se percebe que foi por falta de manutenção ou de visão a longo prazo. Além da atividade individual, acho que o pensamento a longo prazo é essencial. Sabendo que os recursos demoram muito a recuperar, acho sinceramente que é a única visão que podemos ter. Não podemos querer tudo para nós amanhã, queremos também para depois de amanhã e daí para a frente. Temos de perceber que os ecossistemas nos prestam serviços e que temos de encontrar forma de os manter.