VIOLÊNCIA

“Marcas de cordas” no pescoço, diz relatório médico de espanhol expulso da Festa do “Avante!”

DENÚNCIAS Manuel S. é uma das seis pessoas que se queixam de alegadas agressões na Festa do “Avante!” FOTO TIAGO MIRANDA

DENÚNCIAS Manuel S. é uma das seis pessoas que se queixam de alegadas agressões na Festa do “Avante!” FOTO TIAGO MIRANDA

O ativista espanhol, que o PCP diz que estava a praticar sexo oral na Quinta da Atalaia, foi examinado numa unidade de saúde da Galiza. PCP não comenta e remete o assunto para “as duas posições públicas já divulgadas”

TEXTO HUGO FRANCO FOTO TIAGO MIRANDA

Manuel S., o espanhol de 34 anos expulso da Festa do “Avante!” foi examinado numa unidade dos serviços de saúde da Galiza, cerca de 48 horas depois das alegadas agressões de que terá sido alvo na noite de 6 de setembro na Quinta da Atalaia, Seixal. O relatório médico, a que o Expresso teve acesso, revela que existem “marcas de cordas na zona cervical posterior” (parte de trás do pescoço).

Na ficha médica de cinco páginas, os médicos galegos descrevem uma “contratura de musculatura paracervical” (zona de cima das costas) e ainda “marcas abrasivas na parte posterior das costas” da alegada vítima dos elementos da segurança da Festa. O diagnóstico é taxativo: “Várias contusões devidas a agressão.”

O ativista galego refere que foi abordado por três homens com uma farda escura quando beijava um rapaz numa zona isolada do recinto da Festa. “Saíram de uma carrinha e disseram para irmos embora dali porque o que estávamos a fazer era proibido”, conta. Manuel S. perguntou-lhes qual era a lei em Portugal que “impedia o amor” e terá ficado com a cabeça encostada ao chão da carrinha “a receber pontapés”. Foi expulso do recinto mas terá sido de novo agredido por estar a tirar fotos aos alegados agressores. “Voltaram a meter-me lá dentro da carrinha, vendando-me os olhos e apertando o pescoço com uma corda enquanto me chamavam maricas”, relata.

Contactado pelo Expresso, o gabinete de comunicação do PCP responde: “Não querendo alimentar a operação provocatória que o vosso jornal tem em curso, remetemo-lo para as duas posições públicas já divulgadas.”

No último comunicado, os comunistas garantiam: “a afirmação e sustentação da intervenção dos serviços de apoio da Festa do ‘Avante!’ porque duas pessoas do mesmo sexo se teriam beijado é, tão falsa, quanto ridícula. A verdadeira razão do incidente que conduziu à saída das pessoas do recinto da Festa teve origem num ato de sexo oral em pleno espaço.”

Manuel S. diz ter sido visto pelos serviços de saúde espanhóis, e não em Portugal, por não ter dinheiro para pagar os exames fora do seu país. “Na Galiza os serviços de saúde são 100% gratuitos.” Na segunda-feira à tarde, dia 7, viajou para a Galiza no carro de amigos. Foi visto por uma unidade de saúde galega às 6h40 do dia 8, terça-feira. Foi novamente ao médico, dia 14. “Tinha a mão esquerda imobilizada”, conta ao Expresso.

Seis casos e dois comunicados

O caso de Manuel S. é um dos seis que o Expresso publicou este sábado, na edição em papel. Outras cinco pessoas, todas de nacionalidade portuguesa, garantem ter sido alvo da violência dos seguranças do evento, em diferentes ocasiões.

A Polícia Judiciária está a investigar os dois casos considerados mais graves e a PSP recebeu quatro queixas-crime (uma delas inclui duas alegadas vítimas, que são irmãos).

Os elementos da Festa do “Avante!”, que vestem fardas escuras e bonés onde se pode ler a palavra Apoio, terão atuado depois de episódios de desacatos entre participantes do evento. As alegadas vítimas contaram às autoridades terem sido metidas dentro de uma carrinha da organização da Festa e agredidas, dentro e fora dela.

No primeiro comunicado do partido sobre o assunto, o PCP colocou no seu site uma nota intitulada “Provocação contra a Festa do Avante!”. Os comunistas dizem que encaminharam para as autoridades as situações. “Situações como as descritas nas perguntas que nos dirigem não correspondem à prática, às orientações e aos princípios que norteiam a atuação dos membros do Partido na Festa do 'Avante!'. Reafirmando que qualquer ato individual que se afaste destes princípios terá a devida intervenção da Direção da Festa, denunciam-se os processos recorrentes de falsificação e difamação que ao longo dos anos se repetem a propósito da Festa do 'Avante!'”.

No segundo comunicado, publicado dois dias depois, o partido escreve: “Face à reiterada campanha de insultos e difamação promovida pelo Expresso, hoje de novo na sua edição on-line, o PCP divulga a carta endereçada ao Diretor do Jornal Expresso.

‘Lamentamos a insistência do jornal que dirige, agora também na edição on-line, na campanha de difamação, manipulação e provocação dirigida contra a Festa do «Avante!» com o indisfarçável objetivo de atingir o PCP e a CDU. Para um jornal que ignorou o que a Festa do «Avante!» representa enquanto acontecimento ímpar na vida política e cultural não deixa de ser estranho a atenção que lhe tem dedicado para, na base da mais grosseira mentira, alimentar preconceitos e semear a difamação. As motivações que o explicam e os interesses que estarão associados conhece-las-á o jornal que dirige.

O que não podemos permitir é que, entre outras acusações que igualmente refutamos, se insista na difamação de atribuir ao PCP uma postura homofóbica, procurando na base da falsidade instalar a dúvida e a crítica sobre o posicionamento do PCP em torno desta matéria.

Desde sexta-feira que o jornalista do Expresso sabia (porque contactado diretamente pelo Gabinete de Imprensa) que a afirmação e sustentação da intervenção dos serviços de apoio da Festa do «Avante!» porque duas pessoas do mesmo sexo se teriam beijado é, tão falsa, quanto ridícula. Como o jornalista Hugo Franco sabe que a verdadeira razão do incidente que conduziu à saída das pessoas do recinto da Festa teve origem num ato de sexo oral em pleno espaço público.

Que ao jornalista do Expresso não incomode a mentira e conviva bem com os factos descritos só o responsabiliza a ele. Já, diferentemente, o Expresso que se esforça em apresentar-se como jornalismo de referência deveria ver assegurado padrões mínimos de respeito pela verdade e rigor.

Aliás, os que visitam anualmente a Festa do «Avante!» conhecem bem o ambiente de respeito para com todos quantos nela participam, e que porventura o próprio Ricardo Costa terá tido oportunidade de, em algum momento, testemunhar. O que só amplia a dimensão do ridículo de que se reveste esta operação para atribuir ao PCP uma atitude diversa daquela que tem: a de respeito integral pela orientação sexual quer dos seus militantes quer, por maioria de razão, da imensa massa humana que connosco convive e participa nesse espaço de liberdade e solidariedade que a Festa do «Avante!» representa.’”