OPERAÇÃO MARQUÊS
Mais uma batalha perdida para Sócrates. Que por enquanto fica na prisão
FOTO ALBERTO FRIAS
O Supremo Tribunal de Justiça rejeitou esta segunda-feira o pedido de habeas corpus apresentado pelos advogados do ex-primeiro-ministro
TEXTO MICAEL PEREIRA
José Sócrates vai continuar, pelo menos durante mais algum tempo, em prisão preventiva na cadeia de Évora. O pedido de habeas corpus apresentado na semana passada pelos dois advogados do ex-primeiro-ministro foi rejeitado esta segunda-feira por um coletivo de juízes do Supremo Tribunal de Justiça.
João Araújo e Pedro Delille alegavam, no seu pedido, que o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal que decretou a prisão preventiva de Sócrates a 24 de novembro, o juiz Carlos Alexandre, não tinha competência para o fazer, porque isso devia ser uma responsabilidade do Supremo, tendo em conta os contornos especiais decorrentes do facto de os crimes em investigação dizerem respeito à época em que o arguido era primeiro-ministro.
Os advogados argumentavam ainda que o seu cliente não tinha sido ouvido, como devia, para o reexame obrigatório daquela medida de coação, e que tem de acontecer de três em três meses. Exigiam por isso a libertação imediata do antigo governo e a transferência do processo do Tribunal Central de Instrução Criminal para o Supremo.
O que diz Santos Cabral
Num acórdão de 55 páginas, o juiz relator Santos Cabral escreve que o Supremo concorda no essencial com a legalidade da prisão preventiva, fazendo questão de frisar no entanto que a decisão sobre o habeas corpus se refere apenas ao reexame daquele medida de coação (“da que se mantém no momento da apreciação do pedido”). E que a legalidade ou ilegalidade da prisão preventiva tal como ela foi decretada originalmente, em novembro, por Carlos Alexandre tem de ser apreciada num recurso para a Relação. O que na verdade já está em curso, esperando-se para breve uma decisão da Relação de Lisboa sobre o assunto.
Quanto à questão sobre que tribunal deve, afinal, ficar com o caso, o Supremo admite que o tema não é linear nem “incontroverso” e, por isso mesmo, não pode ser avaliado num pedido de habeas corpus, onde o que está em causa tem de ser sempre “uma manifesta violação do direito à liberdade”.
Embora reconhecendo que a questão deva “ser equacionada em sede adequada”, Santos Cabral escreve que “mesmo que, por hipótese, se considerasse como competente o Supremo Tribunal de Justiça, a medida de coação aplicada não perderia a sua eficácia”. O magistrado remete os leitores para um artigo do Código do Processo Penal, o artigo 33, que determina que as medidas de coação ordenadas por um tribunal incompetente “conservam eficácia mesmo após a declaração de incompetência”.
O esclarecimento do juiz Oliveira Mendes
O assunto dividiu, muito provavelmente, o coletivo de magistrados. O juiz conselheiro Oliveira Mendes sentiu necessidade, inclusive, de acrescentar um esclarecimento adicional no final do acórdão, assinado apenas por si, em que explica o âmbito da competência do Supremo Tribunal de Justiça para casos em que os arguidos sejam titulares de cargos políticos.
Há “dois pressupostos cumulativos”, diz Oliveira Mendes, para que um presidente da República, um presidente da Assembleia da República ou um primeiro-ministro possam ser julgados pelo Supremo em vez de enfrentarem um tribunal normal: um pressuposto é os crimes terem sido praticados no exercício daquelas funções; o outro é que o arguido ainda exerça o cargo. O que não é a situação de Sócrates.
O Supremo admite, de qualquer forma, que houve uma irregularidade cometida pelo juiz Carlos Alexandre, ao ter feito um despacho a 24 de fevereiro em que mantém Sócrates preso e, já com a decisão tomada, ter pedido apenas nessa ocasião ao arguido para se pronunciar sobre elementos novos nos autos. “A partir do momento em que existia uma promoção [do Ministério Público] que densificava as razões já aduzidas como suporte de reexame da medida de coação aplicada, deveria ter sido dado ao arguido o direito de se pronunciar previamente”, refere o acórdão.
Mas o coletivo de juízes também diz que tratou-se apenas de um “vício de simples irregularidade”, porque a audição do arguido no caso de reavaliação da prisão preventiva não é um “ato processual legalmente obrigatório.” E portanto, na prática, não muda nada.
FOTO LUÍS BARRA
Foi um “artifício”, diz a defesa
A decisão do Supremo, divulgada à comunicação social às 15 horas, foi antecedida por uma sessão de julgamento no salão nobre do tribunal antes de almoço. Durante meia hora, João Araújo usou do estilo coloquial e irónico com que habituou já os portugueses nas suas aparições mediáticas para dizer que o Ministério Público se socorreu de “um artifício” para contornar o Supremo Tribunal de Justiça, “o único foro competente para o caso”, e escolher como juiz de instrução Carlos Alexandre, do Tribunal Central de Instrução Criminal, violando assim o princípio do juiz natural.
Esse “artifício”, explicou o advogado ao coletivo de juízes, foi ter escondido de José Sócrates a circunstância de a investigação de que é alvo dizer respeito ao período em que ele era chefe de governo. “Só percebi que estávamos a falar de factos relativos ao cargo de primeiro-ministro quando recebi a resposta às alegações apresentadas pela defesa na Relação. Só aí o Ministério Público se dignou a dar a conhecer ao arguido preso que quem estava a ser investigado era o primeiro-ministro e não o cidadão José Sócrates. Não tenho a mais pequena dúvida que foi um artifício para poderem escolher o juiz.”
O advogado insistiu que, por estar em causa alegados crimes cometidos por um chefe de governo, caberia ao Supremo acompanhar o caso desde início o processo. “Além do mais, o que marca o início deste processo em 2013? O início do processo não é nada, é uma das coisas mais arbitrárias que já vi. O engenheiro José Sócrates tem estado a ser investigado desde que foi eleito primeiro-ministro, essa é que é a verdade.”
João Araújo ainda apelou aos juízes para regressassem “aos princípios” e libertarem José Sócrates, mas àquela hora a decisão já estava escrita e tomada.