Opinião
Amanhã
Henrique Monteirohmonteiro@impresa.pt

Chamem-me o que quiserem

Henrique Monteiro

Fascista? As palavras já não contam…

Ronald Reagan era um fascista. Assim como George W. Bush. E Merkel e Schäuble eram nazis. E Trump? Bem, de acordo com o que se ouve nas ruas, também é. Fascista e nazi. E Steve Bannon, que Trump nomeou para seu conselheiro? Também! Ou seja, existe muita gente para quem todos aqueles que defendem posições às quais se opõem são, nada mais, nada menos, do que nazis ou fascistas.

São essas pessoas que ficam sem palavras quando aparece um fascista a sério. Um antissemita, radical, violento. E ficam sem palavras porque as gastaram com quem não era nada disso. Recordo sempre o exemplo de Merkel, que para certos radicais foi a mais célebre fascista em Portugal há uns anos… Agora foi a primeira a pôr Trump na ordem.

Não é a história de Pedro e o Lobo (Henrique Raposo já utilizou esta metáfora) mas é parecida. Num mundo em que o rigor deixou de fazer sentido e onde as referências, as hierarquias de valores e a moral são destruídas como repressoras, tudo é possível. O próprio Daniel Oliveira, de quem muito me separa (mas não o bom humor), escreveu ontem algo que me parece óbvio: não seria melhor esperar por medidas condenáveis de Trump para se manifestarem contra ele? Por que motivo, pergunta ainda ele, a esquerda se tem manifestado contra o voto popular de metade ou cerca de metade das populações, como contra o Brexit ou a vitória de Trump? Não significa isso uma desistência, uma resignação?

Penso que Daniel Oliveira teme essa desistência. E eu, sinceramente, também a temo. Receio que muitos radicais se encantem com a progressiva destruição dos valores da nossa cultura do Ocidente levada a cabo pelos extremos, e neste caso o populismo de extrema-direita (mas é verdade que o de extrema-esquerda provoca os mesmos efeitos, porque como dizia Mário Soares há 40 anos, os extremos tocam-se).

Reparem como as mesmas pessoas que toda a vida defenderam que tudo dependia do ponto de vista do observador, por não haver verdades absolutas, descobrem em certos fenómenos um absoluto – um mal absoluto. Não dependerá Trump do ponto de vista do observador? Não será ele uma boa pessoa para os operários desempregados do ‘rust belt’, ou ‘cintura da ferrugem’? Não será ele quem esperavam os agricultores do midwest? Não. Aqui, os relativistas de todo o mundo (salvo os apoiantes de Trump) estão de acordo com aqueles a quem chamaram conservadores e, às vezes, extremistas de direita ou fascistas. Não há cá pontos de vista, nem coisa absolutamente nenhuma. Temos pela frente o mal.

O problema, como aconteceu nos alvores da II Guerra, é que os conservadores são mais rápidos a descobrir as ameaças à democracia. Sobretudo quando a esquerda não consegue explicar por que razão as pessoas que negam o Holocausto são incomparavelmente mais condenáveis do que aquelas que negam os crimes do comunismo.

Porém, é possível explicar que as atitudes morais se equivalem, que ambas estão fora do campo democrático e que a democracia, como qualquer jogo com fair-play, tem de ser jogada dentro de um chão comum, um campo comum – o tal centro de que fala hoje Augusto Santos Silva e de que falava ontem Jorge Sampaio. E percebo que tanto um extremo como outro, por muito que disfarcem (mas Trump também disfarçou até certo ponto, como tanta gente por essa Europa), estão fora desse campo. Não podem ser parceiros num jogo em cujas regras não acreditam, esperando apenas o momento de as destruir.

É por isso que toda a tolerância, todo o combate político justo tem de ser feito entre jogadores com as mesmas regras. Não podemos competir com aqueles que vêm armados de outras regras e com outras armas. Também na política, como na política monetária, a má moeda expulsa a boa. As más práticas impedem que as boas se ouçam (ou são ouvidas como medo ou fraqueza). É por isso que face a inimigos da democracia não pode haver contemplações.

É Trump um inimigo, ou jogará pelas regras? O que disse faz temer a primeira alternativa, mas, como afirma Daniel Oliveira, será melhor esperar para ver como age. Até agora foi eleito, mas ainda não houve qualquer incêndio no Congresso…

 

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Amanhã

CONCERTO

JAZZ EM COIMBRA

O Hamar Trio atua na quarta-feira no Salão Brazil, em Coimbra. O grupo de músicos de jazz é composto pelo norueguês Klaus Ellerhusen Holm e pelos portugueses Hernâni Faustino e Nuno Morão. O concerto improvisado tem início pelas 22h e a entrada é gratuita.

CINEMA

O CHEIRO DE NÓS

É exibido esta quarta-feira no Teatro Sá da Bandeira, em Santarém, o filme “O Cheiro de Nós” (2014), do realizador norte-americano Larry Clark. A sessão começa às 21h30 e os bilhetes custam de €2 a €4.

TEATRO I

HAMLET TALVEZ

Sobe esta quarta-feira ao palco do Teatro Ibérico, em Lisboa, a peça “Hamlet Talvez”, adaptada por João Garcia Miguel, a partir da obra do dramaturgo inglês William Shakespeare (1564 – 1616). A peça estará em cena até sexta-feira, começa às 21h30 e os ingressos custam de €5 a €10.

TEATRO

ROMANCE DA ÚLTIMA CRUZADA

Estreia esta quarta-feira no Teatro Académico Gil Vicente, em Coimbra, a peça “Romance da Última Cruzada”, escrita e dirigida por Ana Vitorino e Carlos Costa, e adaptada da obra “Romance”, de Vivian Gilbert. O evento está agendado para as 21h30 e os bilhetes custam de €5 a €7.