DIA INTERNACIONAL DO BEIJO
O estalido
Foto Getty
O que se pode dizer, escrever, pensar, imaginar sobre um beijo? Tudo, mas é preciso tê-lo: beijo é ato e só depois efeito - ou torna-se efeito enquanto é ato. Dizê-lo, escrevê-lo, pensá-lo, imaginá-lo devidamente requer o ato. Beijo é prática, beijo é urgente, beijo é humanidade. E beijo tem de fazer barulho ou não será beijo, escreve Ana Bacalhau, música que trata devidamente as palavras. Esta sexta-feira assinalou-se o dia internacional do beijo e não podemos passar ao lados dos grandes acontecimentos: “Se o beijo aterrar na bochecha é carinho, se aterrar na testa é respeito, se aterrar na boca é amor (ou paixão ou luxúria)”
Texto Ana Bacalhau, música
Espremem-se os lábios, suga-se o ar e soltam-se de repente, até se ouvir um estalido. Parece fácil, o beijo. Uma manifestação natural do nosso bem-querer. Mas ao tentar ensinar a minha filha a beijar-me as bochechas, para retribuir as centenas de beijos que lhe prego todos os dias, percebo que nem é fácil, nem natural, beijar.
Para já, a coordenação motora necessária: espremem-se os lábios, suga-se o ar e solta-se o beijo, num estalido mais ou menos audível. Beijo sem estalido não é beijo bem-sucedido, digo eu. Mas eu sou música e posso estar a ser tendenciosa com isto dos sons definirem as acções.
O beijo sela uma relação. O seu início ou o seu fim
Os bebés não sabem beijar, não vêm com esse conhecimento do útero. Não é portanto, essencial para a nossa sobrevivência. É até difícil que se aprenda, só lá para o primeiro ano de vida, muito tempo depois de se aprender a sorrir, a sentar, a gatinhar, a chorar ou a comer.
Depois, o casamento de vontades: é preciso vontade para beijar e é preciso que as duas partes o desejem. Beijar é uma atividade social, uma partilha de afetos e uma partilha de ADN.
A parte do ADN dita que seja forçoso que realmente se queira beijar. Mas a obrigação social dita que a vontade não mande tanto quanto o dever.
Por cá, o bom trato social diz que se beijem desconhecidos para que se fiquem a conhecer oficialmente. O beijo sela uma relação. O seu início ou o seu fim. Pode ser um olá, ou um adeus.
O estalido pode dar-nos pistas sobre se o beijo dos dois estranhos que estão na mesa ao lado é de despedida ou de cumprimento. De saudades ou de cortesia.
Se o som for agudo e demorado, os lábios estão bem apertados, sem ar, impacientes pelo contacto com a pele do outro.
E depois há a questão: beijamos ou somos beijados? É como uma dança
E a língua? O beijo é linguagem universal. Se aterrar na bochecha é carinho, se aterrar na testa é respeito, se aterrar na boca é amor. Ou paixão. Ou luxúria. Para tirar dúvidas, procurem o som do estalido. É lá que moram os segredos profundos que o beijo teme revelar.
Um beijo pode ser cantado pelos lábios, mas é sempre melhor beijar do que cantar o beijo, parece-me. Pelo menos eu, beijoqueira assumida, fico embeiçada com um beijo bem dado. Basta-me isso para perceber muitas mais coisas acerca da pessoa que me beija.
E depois há a questão: beijamos ou somos beijados? É como uma dança, que se houver jeito parece um tango e se não houver é como os calos pisados pelos sapatos de um mau dançarino.
O beijo tem um tempo definido? De quantos compassos é feito um beijo apaixonado? Começa com uma semibreve e termina em semifusas? Ou por precaução, aplicamos a semínima de cortesia, para ver se vale a pena avançar na partitura?
Nunca se duvide do que um beijo nos diz. Pode demorar a aprender, mas depois de se dar o primeiro, já nada será como antes.
Beijar é a melhor invenção de que os lábios se lembraram, porque utilizam a boca para dizer muita coisa sem ser preciso dizer nada. Só o estalido. O estalido diz tudo.